
Sem Conclave - Conto, por Romero Falcão*
08/05/2025 -
Deus perdoa
Dante acorda ansioso, pula da cama, pega o celular, envia pelo zap o atestado médico de cinco dias para o trabalho. Cinco dias, é, tá de bom tamanho. Dante não vai bater no hospital, vai direto pra Praça São Pedro se misturar na multidão que aguarda fumaça branca sob o céu de Roma. É, são cinco dias, Deus perdoa, afinal de contas, é por uma causa santa. O conclave. A porta de madeira medieval tranca os cardeais em isolamento absoluto. Um nome conservador dispara nos vaticanistas e na boca dos romanos, Antonello. Conservador, cuja régua dos sacramentos, da tradição não cede um milímetro. Dante, um jovem de 25 anos, fala para um jornalista estrangeiro: minha geração quer um papa conservador feito Antonello, correto, exato, sem malabarismo, trem no trilho, ferro no ferro.Nada de santo padre militante, com aquelas ideias malucas de teorias da libertação. A igreja precisa voltar ao eixo de Paulo.
Nada de teorias da libertação
De repente o enxame humano explode em gritos. Fumaça branca feito nevoeiro no primeiro dia do conclave. Habemus Papam! O nome dele é Antonello. Os italianos vão ao delírio. Agora, sim, temos um papa de verdade, berra a moça inaugurando a maior idade. O papa é Antonello, mas quem senta na cadeira de Pedro é Paulo VII. O santo nome confirma as expectativas dos cérebros mais rígidos. Nada de teorias da libertação, sai do sopro aliviado de Dante. Mas no segundo dia de papado, Paulo VII amanhece esquisito, dizendo umas coisas estranhas, se queixa aos mais chegados das despesas do conclave. É muito dinheiro, gente. Triplicou a montanha de Euro comparada a escolha do último papa.Vocês sabem o que é isso? Trazer cardeais de tudo que é canto do mundo. Do Japão ao Brasil? Da Índia aos EUA? Tudo bem que o banco do Vaticano é o banco de Deus, se Deus ensinou ao seu filho multiplicar peixe, ensina a multiplicar dinheiro. Mas essa noite eu tive um sonho, o Espírito Santo me disse com todas as letras, acabe com esse Conclave. Não tá vendo, o mundo é outro, a velocidade das conexões permite um conclave virtual, online. Veja quanto dinheiro será economizado. Mais do que Francisco que liberou as lavanderias do Vaticano para os mendigos, vocês vão transformar mendigos em vida digna.
o sonho subversivo
Os presentes quase caíram dos refinados bancos. Não acreditavam no que Paulo VII dizia, como pode, o que aconteceu? Um deles eleva a voz. Isso não é obra do Espírito Santo, é astúcia do demônio. Outro ruge furioso. Isso não é Paulo VII, é Paulo doido. O sonho subversivo se espalha pelo mundo. A Igreja tem dinheiro pra mil conclaves, estampava uma faixa enorme na Praça São Pedro. E a massa indignada com o reviravolta do irreconhecível Antonello. O clero por sua vez envergonhado. A pancada pegou de surpresa até os progressistas. Paulo VII não se intimidou, ergueu faixas de coluna a coluna na Praça São Pedro, com os dizeres, Conclave nunca mais. Sem chave foi a senha do meu sonho, balança o pano ao vento, à sanha dos romanos. As dobradiças da Idade Média se enfurecem. Paulo VII vai dormir tranquilo no quarto papal, acorda com um homem de barba branca e chave na mão. Não, por favor, Conclave, não. Não, não era o camerlengo, era São Pedro abrindo a porta do céu. Antes do próximo Conclave, mexeram nas gavetas de Antonello, viram um livro. O bruxo do Cosme Velho havia estourado nos EUA, o clarão atingiu a Europa. O marcador indicava a página 7, cujo título era, "A igreja do Diabo". Um conto no qual o gênio machadiano virou a cabeça de um papa . Dante, dessa vez, meteu um atestado de trinta dias. Quem sabe o diabo não ajudaria num turismo ao Caribe.
*Romero Falcão, cronista, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo

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