
É Findi - A Segunda e Última Parte do Meu Encontro com MMM - Crônica, por Romero Falcão*
10/05/2025 -
"A poesia foi a minha quinta parede"
Entramos no elevador. A porta abre no andar do poeta que nos esperava de camisa vermelha, bermuda e tênis de couro preto. Marcelo Mário Melo é um homem mais que bonito, é charmoso. Cabelos branquíssimos, olho pequeno e atento por traz de um óculos redondo.Voz calma, erudição clara como a manhã ensolarada do bairro da Boa Vista. Conversamos sobre seus amigos de poesia, de cruz. Cândido Pinto, Alberto Cunha Melo, Chico de Assis e outras estrelas de trincheiras. O cérebro de 81 anos formula o pensamento com a síntese e precisão de um haicai. Nocaute no primeiro round. Pergunto sobre a velhice, usa a metáfora da folha vicejante que com o tempo seca e cai. Ele é o espectador olhando a queda com muito humor, ironia, sabedoria. Quanto aos horrores da prisão pela ditadura, o poeta brilha em fogo alto : "Eu sempre digo que, nas quatro paredes do cárcere, a poesia foi minha quinta parede".

"Tijolo e taça"
Observo o apartamento. A sala é de artista, cheia de estilo, personalidade. Esculturas, quadros, máscaras, um amarelado "Pasquim" pregado na parede. Frases de M.M.M - "Não há vagas para mau humor". "Poesia, prazer, amizade, humor na conjuntura que for". "Tijolo e Taça, Trabalho e Festa". "A vida segue seu curso apesar dos dogmas". Uma imensa estante carregada de alta literatura ilumina o ambiente. Imagino pilhas de livros em outros cômodos. Marcelo é simples, afável. Numa cadeira de palhinha, balança o corpo e a criatividade ao explicar que pouco antes da nossa visita, fez um poema, "o relógio". Lê em voz alta. Eis um trecho: "O relógio do presente está sempre em movimento na rotação sem espera pelos ponteiros cravados, ponteiros somente apontam como a luz que o sol reflete, acompanha seus giros".

Um gato rouba a cena
Pergunto se escreve direto no computador quando surge a inspiração. Nega com veemência, "primeiro no papel", aponta com os lábios finos pra cadernetinha. Um gato preto e branco rouba a cena. Roça a cauda na minha calça, sonda o forasteiro. Depois salta sobre a mesa de madeira escura no centro da sala, se movimenta delicadamente, para, senta, concentrado feito um Buda, contempla a criação do intelectual. Me veio os bichanos de Hemingway, Bukowski, Cortázar. Dirijo-me à varanda, procuro os restos mortais do Colégio Marista, avisto a decadência do centro da cidade de um ângulo aberto. Volto à sala como quem retorna ao sonho. MMM vai lá dentro, surge de livro na mão, me presenteia com sua obra e autógrafo. "Literavida" é o nome da criança - livraço, pura potência de vida - cujos padrinhos são dois monstros literários, Raimundo Carrero e Alberto Cunha Melo, que diz assim: "Marcelo: o perigo da literatura é a própria literatura. Fazer um bom texto antiliterário, eis o segredo da boa literatura, eis o segredo dos seus textos". Já Carrero, dispara: "Um livro cheio de lutas, de batalhas, de guerra. Não a guerra que destrói pessoas, guerra que alimenta e constrói, com este permanente sentimento de edificação." Marcelo nos leva até a porta, me despeço do patrimônio vivo pernambucano. Hoje, conheci um coração valente, mais do que isso, encontrei o coração de um grande poeta.

*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.
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*Marcelo Mário de Melo, ex-preso político, jornalista e poeta. Seu lema é: "Só ultrapasse pela esquerda".