
É Findi - Pega! Crônica, por AJ Fontes*
10/05/2025 -
Dinheiro na mão é vendaval.
Ressoava uma das tantas músicas que ouvimos no show de Paulinho da Viola no Classic hall, ao chegarmos em um bar participante do Comida de Buteco, próximo ao Mercado da Encruzilhada.
Meio aos nacos do salgado principal da casa, goles de caipirinha, cerveja e rum com coca-cola, o prezado compositor e cantor Nuca Sarmento percebeu que estávamos no Antiquário. Era esse o nome do bar, nos idos de 1970, onde o amante da boa música cantava acompanhado de seu violão.
Ele recordou uma das muitas noites que tocou e cantou lá. Tomava os últimos goles de rum misturado, depois da apresentação, enquanto o amigo e proprietário tentava convencê-lo de dormir no sofá do escritório. Nuca agradeceu, mas queria mesmo era encostar a cabeça no seu travesseiro. Guardou o instrumento, colocou nas costas e disse até logo.
Cabeça baixa, seguiu pela calçada do mercado, alheio ao vazio da noite, contando de cabeça os cruzeiros guardados no bolso e se dava por satisfeito ter o suficiente para a passagem e meia carteira de minister.
Espantou-se quando sentiu um peso sobre os ombros. Quis se afastar, mas não conseguiu. Um sujeito segurou com firmeza, encostou a boca no ouvido dele.
— Se aperrei não. Só quero o dinheiro.
— Bicho, sobrou o da passagem de ônibus.
— Faça isso não com seu irmão. Preciso levar algum pra casa.
No meio da conversa do que parecia ser de dois amigos no fim de uma farra, o sujeito passou a mão no couro às suas costas e fez nosso amigo se encolher, fechar os olhos. Rápido buscou desviar a atenção.
- Cara, tem gente em algum lugar com dinheiro.
Não teve jeito. Com os olhos fixos e um sorriso se abrindo.
— É um violão, né?
— É com ele que faturo algum. Faz isso não.
— Então...
O sorriso se completou e ele esfregou os dedos na altura dos olhos.
Choroso, olhando as pedras da calçada, entregou o dinheiro amassado, continuou andando. O silêncio fez Nuca voltar a cabeça para o lado e não viu mais o sujeito. Parou, deu meia volta para o bar. Três passos adiante e percebeu alguém caminhando ao lado.
— Passa o dinheiro, senão leva.
O cantor abriu os braços.
— Porra! Acabei de ser assaltado.
— Foi mesmo. Eu vi. Parados no meio da rua, sob o facho da luz do poste, o novato escaneia Nuca.
— O quê é isso aí no bolso?
Desalentado, Nuca retira uma carteira amassada com o último cigarro.
— Aí, velho, te manda que é perigoso andar por aqui.
Em um passe de mágica, as sombras o engoliram.
O autor do frevo Pernambucana, estático, parecia contar as folhas caídas das árvores quando viu chegar um par de pés descalços.
— Moço, tem um dinheiro aí?
— Você tá brincando, né?
— Tá certo, eu vi tudo. Aperrei não que eu levo o senhor no bar.
À maneira dos anteriores, também se escafedeu.
Nuca resolveu encarar as risadas do amigo, no Antiquário. Encostou o pinho em uma cadeira e embarcou no sofá de onde acordou com o sol na cara, saindo de um sonho e gritando.
— Pega ladrão!

*AJ Fontes, contista e cronista, engenheiro aposentado, e eterno estudante na arte da escrita, publicou o livro de contos: ‘Mantas e Lençóis’.