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Bárbaros de ontem e hoje - as semelhanças das guerras e crises de Leão I e Leão XIV

10/05/2025 -

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Entrevista com Marcelo S. Tognozzi*

No ano 455 da era cristã, Roma, após sofrer o assédio de Átila, o rei dos hunos, foi cercada pelas tropas de Genserico, o germânico rei dos vândalos. Alto, forte e sanguinário ele lançou a pá de cal sobre o decadente Império Romano. Cercou e saqueou Roma durante 14 dias. O estrago onão foi total, porque o Papa Leão 1º, mais conhecido posteriormente como São Leão Magno, interferiu e usou todo o seu talento diplomático para negociar com Genserico e lograr que o exército vândalo não queimasse a cidade e poupasse a vida da maioria dos cidadãos. O famoso roube, mas não mate. No papa não evitou o saque, mas poupou vidas.
Leão foi, desse modo, papa numa era de turbulência e transformação muito parecida com a que vivemos hoje. Atualmente, temos um império emergente, a China, e outro que luta para manter a sua posição, os Estados Unidos. Talvez por estas coincidências o cardeal Richard Francis Provest, um agostiniano, tenha escolhido se chamar Leão em homenagem ao Papa diplomático, tornado santo pelo destino.

Átila

Antes de Genserico, no ano de 452, Leão negociou com Átila, o Huno, e o convenceu a não invadir Roma. Átila era conhecido como “o flagelo de Deus” e deixara em ruínas cidades ao Norte da Itália, como Milão.
A Germânia, que há mais de 1000 anos englobava todo o Norte da Europa, foi uma das poucas regiões não conquistadas pelos romanos. Em 429, Genserico liderou um exército de cerca de 80 mil homens cruzou o estreito de Gibraltar e invadiu o Norte da África. A região onde hoje é a Argélia era estratégica para os romanos, por ser a maior fornecedora de grãos para Roma, especialmente trigo.
É nesta época que o destino de Leão e Agostinho se cruzam.



Agostinho

Genserico e suas tropas tomam Cartago, o maior centro comercial da região, e, em seguida cercam Hipona, onde vivia o bispo Agostinho, 75 anos. Ele ora todo o tempo durante o cerco num pequeno quarto com salmos escritos nas paredes. Debilitado por uma febre, desnutrido e fraco, Agostinho morre antes de Hipona cair nas mãos dos vândalos e passa a ser cultuado como santo pelos cristãos.
Nascido e criado na região onde hoje é a Argélia, Agostinho costuma ser retratado com physique du role europeu, quando na realidade ele era um mouro africano típico, tez morena, como a maioria dos árabes habitantes daquela região. Confissões é sua obra mais importante, uma autobiografia na qual relata sua transformação. De família rica, Agostinho era boêmio, teve um filho fora do casamento com uma amante com quem conviveu anos a fio. Passou muito tempo na gandaia.
Confissões é uma obra densa, espiritual, na qual a transformação do homem adorador da carne e da matéria em adorador de Deus é descrita em forma de oração. Um texto de 1.600 anos, ainda atual. Santo Agostinho fala de um episódio muito interessante sobre o vício de roubar, o roubo pelo roubo, um hábito disseminado feito epidemia nos dias de hoje.

Roubo porque gosto

Falamos há poucos dias que para a Igreja Vale muito mais o arrependimento que o pecado.
O roubo das peras está no livro 2 das Confissões. Quando era adolescente, Agostinho e um grupo de amigos roubaram peras de um pomar. As peras nem eram muito boas e depois de roubá-las jogaram fora. "Eu as roubei não para comer, mas por prazer no roubo. [...] Eu amava o meu pecado, não o que eu ganhava com ele, mas o próprio pecado," escreveu o santo. O Papa Leão 14 certamente leu e releu este episódio sobre um vício que segue contaminando a humanidade como acabamos de ver aqui no Brasil no caso do roubo aos aposentados do INSS.



A essência do roubo

Como reconhece Santo Agostinho, as pessoas corrompidas não roubam pela necessidade, mas pelo prazer de fazer algo proibido. Uma inclinação de fazer o mal simplesmente porque é proibido: “Talvez eu não roubasse se estivesse sozinho. Meu prazer não estava nas peras, mas no próprio ato de roubar em companhia dos outros”.

O Poder - O que significa o espírito agostiniano do papa eleito está semana?

Tognozzi - Santo Agostinho foi pioneiro a levantar questões como a ética cristã, envolvendo culpa, consciência, desejo e responsabilidade. Não é por acaso que seus ensinamentos seguiram incólumes durante os últimos 1.600 anos.
Os caminhos de Leão e Agostinho se cruzaram naqueles anos de derrocada da do Império Romano, precedendo uma outra era, a Idade Média, na qual o mundo viveu uma estagnação somente quebrada muitos séculos depois pelo Renascimento.
Quando o Papa Leão 14 fala em construir pontes, provavelmente se refere ao esforço diplomático de seu antecessor Leão 1º, o Magno, transformado em santo. Ele conseguiu o que parecia impossível: convencer Átila, o rei dos hunos, a não invadir Roma com seu exército bem treinado e que acabara de arrasar boa parte do que hoje é a Itália. Há uma versão de que Leão foi ajudado por uma peste que contaminou o exército de Átila, obrigando o huno a partir sem invadir Roma. Mas isso não tira o mérito do Papa.



O Poder - E quanto aos vândalos?

Tognozzi - Também foi eficiente em convencer Genserico a não matar e não queimar Roma, como pretendia o rei dos vândalos. Leão nasceu na Toscana e governou a Igreja como 45º Papa de 440 a novembro de 461, quando morreu.
Leão 14 também se inspira em Leão 13, cuja encíclica Rerum Novarum focou nas condições dos trabalhadores da primeira era industrial. Ele teve este olhar social, construiu pontes para entre a Igreja e o proletariado, ao mesmo tempo que cuidou da diplomacia, mas, diferente do seu sucessor, pertencia à ordem de São Francisco.

O Poder - Quais as semelhanças da era dos Leão, o I e o XIV?

Tognozzi - Nesta era de incertezas, o novo Papa terá pela frente missão difícil num cenários de guerras eclodindo, como aconteceu semana passada na Cachemira, conflitos no Oriente Médio, na Europa, guerra comercial entre Estados Unidos e China, crescimento do Islã na Europa e dos evangélicos na América Latina, além do antissemitismo. Sem falar das fake news e da desinformação como arma política.
Precisará de muita inspiração, num mundo onde a corrupção tem cada vez mais tentáculos, inclusive tecnológicos. Os corruptos de hoje são os vândalos e os bárbaros de ontem, invadindo e saqueando, deixando tudo arrasado por onde passam.
Santo Agostinho tinha a convicção de que a corrupção surge quando o homem ama mais o poder, a riqueza ou o prazer do que a verdade, a justiça ou Deus. O pecado está não apenas no ato de tomar algo, mas no desejo corrupto que motiva o roubo: vaidade, orgulho, desafio. No Brasil, isto é o cotidiano.
Leão terá de andar de mãos dadas com Agostinho e ser muito firme para enfrentar estes tempos em que a qualquer momento tudo pode acontecer.

*Marcelo Tognozzi e jornalista e analista da política nacional e internacional.
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