
Alfinim ou alfenim - made in Sertão do Pajeú - Por Malude Maciel*
13/05/2025 -
Seu Né era a alcunha do meu avô materno: Manoel Joaquim de Sousa Guerra (falecido) que morava no alto sertão pernambucano, mais precisamente na cidade de Calumbi, antes conhecida como São Serafim. Ele quase não nos visitava aqui em Caruaru, apenas algumas vezes, por ocasião do Natal, para rever as duas filhas, os netos, os genros e apreciar a bonita festa natalina que havia nesta cidade recebendo muitos visitantes dos quatro cantos do mundo.
Essa festa era denominada "festa do comércio" e acontecia todo final de ano exatamente na área comercial, no centro caruaruense, sendo custeada pelo comércio local, embora o pároco da igreja da Conceição e seus fiéis tomassem a frente em toda a organização, era muito conhecida pela grandeza e beleza características do estilo agrestino, com pastoris e parques de diversões.
Nós, os netos mais novos, vibrávamos com a chegada do vovô que era um velho forte e tinha uma vida honrada de muito trabalho e até já tinha dialogado com Lampião. Algumas vezes vovô vinha de trem ou nas boleias de caminhões, porque os meios de transporte eram precários.
Depois de vencer o cansaço da viagem vovô dedicava-se à conversa descontraída relatando os acontecimentos recentes e ficava admirado com o crescimento da prole, conhecendo alguns pirralhos que nunca tinha visto, pois não havia possibilidade de fotos, como atualmente que de um a outro lado do planeta se pode conectar em segundos pela internet. Isso nem se imaginava que iria existir algum dia.
Depois das conversas, cartas e recados, chegava a melhor parte para nós, as crianças. Quando vovô abria uma caixa cuidadosamente preenchida com palhas de bananeira e aparecia uma iguaria que até hoje não encontrei igual. Era o alfinim ou alfenim fabricado nos engenhos de açúcar.
Alfenim é uma massa alva e seca feita de açúcar, água, vinagre ou limão e também óleo de amêndoas doces. Não é a mesma coisa de rapadura batida que também é feita da cana de açúcar, mas tem a cor escura, marron; o alfenim era branquinho, delicado, um primor de gostosura. Ao invés de trazer brinquedos ou algo conhecido por aqui, o velho optava pelos alfenins, marcando sua presença e representando a sua Região. Cada doce tinha formato diferente, figura folclórica, etc. muito interessante.
Meu avô era um homem simples e vivia da agricultura e do comércio. Viveu numa terra de pouca chuva e enfrentou secas devastadoras numa época difícil em todos os sentidos. Para mim ele simbolizou o sertanejo em si mesmo: "antes de tudo um forte", como bem o definiu o escritor de "Os Sertões", Euclides da Cunha.
Parece que ainda sinto o sabor daquela guloseima.
Tudo passa, tudo passa...
*Malude Maciel, Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras, ACACCIL, cadeira 15 pertencente à professora Sinhazinha.
