
Pepe Mujica: O político que viveu como povo
14/05/2025 -
Por Flavio Chaves
O adeus de um continente agradecido ao homem que virou esperança.
Morreu ontem, 13 de maio de 2025, José “Pepe” Mujica. Mas é preciso dizer com clareza e ternura: não morre um homem assim. Aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai e símbolo ético da esquerda latino-americana encerra sua travessia neste mundo — não como quem parte, mas como quem se transforma em raiz, memória e horizonte.
Chora
A América Latina chora, mas é um choro que carrega a dignidade da luta e o abraço dos que continuam sonhando. Mujica não foi um político como os outros. Foi uma consciência ambulante, um resistente. Um homem que enfrentou a tortura e a escuridão da prisão, e que, mesmo tendo todas as razões para virar pedra ou vingança, escolheu o caminho da paz, da humildade e da justiça social.
Guerrilheiro
Preso por treze anos como guerrilheiro Tupamaro, parte deles em confinamento solitário, Mujica saiu da prisão sem amargura — saiu maior. Foi deputado, senador e presidente entre 2010 e 2015, liderando um dos governos mais progressistas do continente. Legalizou a maconha, defendeu os direitos das mulheres, aprovou o casamento igualitário e humanizou as políticas públicas.
Mas sua maior revolução talvez tenha sido a mais silenciosa: a revolução do exemplo.
Recusou
Recusou os palácios, morou em sua chácara no bairro Cerro, dirigia um Fusca azul e doava quase todo o seu salário. Era chamado de “o presidente mais pobre do mundo”, mas, na verdade, foi o mais rico em humanidade.
Líderes
Num continente onde tantos líderes saem do poder mais ricos do que entraram, onde discursos populares se misturam a práticas privadas de enriquecimento e vaidade, Mujica foi o raro exemplo de alguém que viveu como falou, serviu sem se servir, e fez da política um sacerdócio em favor do povo — e não um balcão de negócios ou vaidade disfarçada.
Declarações
Em suas últimas declarações, Mujica foi sereno e lúcido como sempre: “Estou morrendo. Acabou meu ciclo.”
Silêncio
Pediu silêncio, respeito e paz. Queria ser enterrado em sua terra, ao lado de Manuela, sua cachorra vira-lata e companheira inseparável durante muitos anos, sob a sombra de uma sequoia que ele mesmo plantou.
(Manuela, para os que não sabem, foi sua cadela de estimação, de aparência simples e andar manco, que ficou conhecida por acompanhar Mujica em entrevistas, passeios e na vida cotidiana. Mais do que um animal de estimação, era um símbolo da ternura que ele dedicava à vida simples e sincera.)
Gesto
Esse gesto final sintetiza sua existência: sem vaidade, com afeto e vínculo profundo com a terra.
Seu último legado foi um chamado à tolerância:
“É fácil respeitar quem pensa como você. Difícil — e essencial — é respeitar quem pensa diferente. Isso é democracia.”
Homenageado
Mujica foi homenageado por presidentes, artistas, poetas e pelo povo — esse mesmo povo a quem ele jamais abandonou. Era possível vê-lo falando com camponeses, abraçando trabalhadores, conversando com jovens sobre a vida e o sentido da política.
Sua vida nos ensinou que não basta vencer eleições — é preciso vencer o ego, vencer o medo de ser simples, o medo de servir. Mujica foi — e continuará sendo — uma escola viva de ética, coerência e amor pelos que sofrem.
O corpo
Neste momento em que seu corpo silencia, sua voz continua a nos habitar. Pepe Mujica não será esquecido. Ele se tornou semente em cada gesto de quem ainda acredita em um mundo mais justo. Sua morte não é fim, é chão fértil.
Hoje o mundo estará em prece. Não por pesar — mas por gratidão. Por tudo o que ele fez, por tudo o que ele foi, por tudo o que ele seguirá sendo dentro de cada um de seu povo que ainda acredita na política como cuidado, como afeto, como dever moral.
Descansa
Descansa sob tua sequoia, ao lado de Manuela — tua fiel cadela, amiga silenciosa de tantas jornadas, símbolo da tua ternura pela vida simples.
A terra saberá te guardar.
Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc