
Pergunta incômoda – Por que faltou gente nas comemorações do 80º aniversário do fim da Segunda Guerra na Europa?
14/05/2025 -
Ricardo Rodrigues*
A julgar pela cobertura da mídia internacional, as celebrações do 80º aniversário do “Dia da Vitória” e do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, ocorridas na semana passada, foram marcadas essencialmente por desfiles militares e discursos políticos. De Londres a Paris, não se viu, nessas comemorações, o nível de adesão popular que costumava ser registrado em anos anteriores. Aparentemente, o que outrora era uma festa do povo, festejada nas ruas, nas praças e nos bares, tornou-se um evento eminentemente protocolar.

Faltou povo
Eu fiz questão de assistir a cobertura das solenidades na Inglaterra e na França realizada pela BBC e pela France 24, respectivamente. Minha intenção era aferir o engajamento da população nos festejos. Logo de pronto, me chamou a atenção que, na avenida Champs-Élyssés, local do desfile patriótico em Paris, centenas de grades destinadas à contenção do público pareciam apenas enfeitar as calçadas. Com exceção de um ou outro policial postado a cada cem metros, não havia pessoas, ao longo da avenida, para serem contidas pelo gradil. Gente, mesmo, mas em números modestos, somente nas cercanias do palanque oficial, perto do Arco do Triunfo, onde Emanuel Macron pronunciou seu discurso para autoridades e convidados.
Mais gente em Londres
Na Inglaterra, as pessoas prestigiaram as celebrações, mas em número muito inferior ao de anos passados. Na cobertura realizada pela BBC, dava para ver crianças e adolescentes assistindo ao desfile. Muitos deles com uniformes de escoteiro. Idosos vestidos nas cores da bandeira enfeitavam, aqui e ali, as ruas de Londres, após a parada militar. No final, milhares se reuniram em frente do Palácio de Buckingham, munidos de seus celulares, para assistir ao show aéreo da esquadrilha da fumaça.
O que mais me marcou na cobertura da BBC foi o semblante das pessoas nas ruas, quando não percebiam que estavam sendo filmadas. Não havia alegria nem entusiasmo, exceto, talvez, nas crianças durante a passagem da esquadrilha. Os adultos pareciam preocupados, alheios ao que deveria ser um clima de festa e descontração.

Contraste com as festas de 2015
O contraste com as celebrações de 2015 não poderia ser mais gritante. Vídeos de arquivo da cobertura da comemoração em Paris na época mostram as calçadas da Champs-Élyssés lotadas de franceses de todas as idades, ávidos por participar nos eventos. E mais, não assistiam passivamente ao desfile, mas festejavam a data com alegria.
O mesmo aconteceu em Londres. Com bandeirinhas em punho, os ingleses saíram às ruas para comemorar efusivamente a data. Com um sorriso estampado no rosto, jovens e idosos se confraternizavam em cada esquina da cidade. Nos pubs, abertos até mais tarde, as comemorações eram regadas à cerveja e gargalhadas.

O que mudou?
Não foi sem motivo que os europeus parecem ter perdido o entusiasmo com a celebração dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Eles estão mais preocupados com a possibilidade de uma terceira guerra mundial vir a ser deflagrada.
Uma pesquisa realizada pela Yougov, da Inglaterra, constatou que a maioria dos europeus entrevistados acredita que um novo conflito, de proporções globais, pode acontecer nos próximos cinco a dez anos. O instituto entrevistou 1.622 indivíduos na Grã-Bretanha, 1.081 na França, 2.318 na Alemanha, 1023 na Itália, 1.051 na Espanha e 1.152 nos Estados Unidos, entre os dias 3 e 16 de abril.
Temor de uma Terceira Guerra Mundial
A sondagem revelou que, entre 41% e 55% dos entrevistados, nos cinco países europeus pesquisados, acreditam ser provável ou muito provável que uma nova guerra mundial aconteça nos próximos 5 a 10 anos. Os franceses foram os mais pessimistas entre os entrevistados, com 55% deles afirmando crer na ameaça iminente de uma nova guerra mundial. 50% dos espanhóis pensam da mesma maneira. Já entre os britânicos, 41% acreditam que uma terceira guerra pode irromper nos próximos 5 a 10 anos, contra 42% que discordam de tal afirmação.
Talvez aqui esteja a explicação para a ausência de público nas comemorações do Dia da Vitória na França, e a presença, embora reduzida e com menor entusiasmo, do público na Inglaterra. Os franceses mais pessimistas não enxergaram motivo para festejar os 80 anos de uma paz que pode estar com seus dias contados. Os britânicos, por sua vez, são menos pessimistas, encontrando-se divididos acerca do real perigo de uma terceira guerra ser desencadeada nos próximos cinco a dez anos.
A expectativa de uma guerra nuclear devastadora
Para a grande maioria dos entrevistados, uma terceira guerra mundial inevitavelmente descambaria para um conflito nuclear. De fato, em 4 dos 5 países europeus pesquisados, mais de 70% acreditam que, caso uma nova guerra global se inicie, armas nucleares serão usadas nos combates, e, entre 57% e 73% afirmam que uma terceira guerra mundial levará a mais mortes do que os conflitos que ocorreram entre 1939 e 1945. Um contingente nada desprezível de até 44% acredita que uma terceira guerra mundial exterminará a maioria das pessoas no mundo.
Para piorar a situação, os europeus não sentem confiança no poder de fogo de suas respectivas forças armadas para defender o país no caso de uma terceira guerra mundial. Só minorias, que variaram de 16%, na Alemanha, para 44% na França, admitiram que seus exércitos tinham condições de defender seus países.
A Rússia como inimiga
Na opinião dos europeus, o grande vilão dessa história é a Rússia, que aparece como a maior ameaça à paz na região. É assim como pensam mais de 80% dos entrevistados na Inglaterra, Alemanha e Espanha. Contudo, os demais países pesquisados não ficam muito distantes desse percentual. Na França, por exemplo, 78% enxergam a Rússia como a maior ameaça existencial para o continente.
Saliente-se que a forma como Vladimir Putin decidiu celebrar os 80 anos da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial em nada ajudou a reduzir as tensões entre a Rússia e os países da Europa, agravadas desde o início da guerra com a Ucrânia. Ao invés de uma simples comemoração da vitória soviética sobre a Alemanha nazista, o evento foi usado por Putin para ostentar o poderio bélico russo. O desfile militar na Praça Vermelha contou com a presença de nada menos que 11 mil soldados e uma coluna de caminhões exibindo drones de combate de última geração. O evento também reuniu mais de 20 líderes de nações supostamente aliadas à Rússia no seu conflito com a Ucrânia. Entre tais líderes, lá estavam Lula, Maduro, e, como uma verdadeira cereja do bolo, o líder chinês Xi Jinping. Com o evento, Putin procurou demonstrar que, a despeito dos esforços da OTAN para isolar a Rússia, o país continua a contar com aliados, inclusive com a toda poderosa China, e que seguirá com o que ele chama de “operação militar especial” na Ucrânia. Com tudo isso acontecendo, não há como tranquilizar o cidadão europeu preocupado com a iminência de uma Terceira Guerra Mundial. Esse vai continuar a perder seu sono.
*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder.

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