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Ensaio - Depois de Algum Tempo, a Consciência Floresce

15/05/2025 -

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Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*

Dedicatória:

Dedico este artigo a Fábio Pereira Garcia dos Santos e Márcio André Cavalcante, filhos do meu coração, que se permitiram, junto comigo, vivências tão profundas que fincaram em nossas almas raízes eternas.

Nada — nem o tempo, nem a distância — é capaz de apagar o que foi gravado na alma com verdade.

1. Preâmbulo: O Encontro com um Texto que Floresceu em Mim

O texto que deu origem a este ensaio é frequentemente compartilhado na internet como se fosse de William Shakespeare. Mas não é. Seu verdadeiro título é “After a While” (Depois de Algum Tempo) e sua autora é Veronica A. Shoffstall, que o escreveu em 1971. Como acontece com tantos textos belos que circulam em tempos de velocidade e pouca atribuição, ele foi sendo distribuído sob o título de "O Menestrel" e atribuído a nomes de autores famosos — entre eles, Shakespeare e Jorge Luis Borges — até se tornar um desses pequenos hoaxes sentimentais que persistem por sua força própria, mais do que por sua origem.

Mas a verdade é que autoria alguma diminuiria ou aumentaria seu valor essencial.

Conheci esse texto em 2016. Ele me encontrou — como costumam fazer os textos que realmente importam, respeitando a máxima teosófica de que "quando o discípulo está pronto o mestre comparece". Veio como um espelho silencioso, refletindo perdas, amadurecimentos, vínculos e desapegos com uma delicadeza rara. Havia nele uma sabedoria sem arrogância, um consolo sem pieguice, e — sobretudo — uma condução para dentro. Falava de uma forma de autonomia afetiva e espiritual que eu já intuía, mas ainda não sabia dizer.

A leitura me marcou de tal modo que passou a conviver comigo como um companheiro discreto — desses que não falam alto, mas nos transformam por dentro. Ao reler o texto ao longo dos anos, percebi que, na verdade, era a mim mesmo que eu relia: minhas perdas, meus silêncios, meus gestos, minhas escolhas. E foi nesse processo silencioso de espelhamento que compreendi que não bastava ter sido tocado por ele — era preciso, agora, nesta fase da vida, retribuir.

Retribuir, não como quem paga uma dívida, mas como quem cumpre um ciclo sagrado de transmissão. Como ensinam os cabalistas, a palavra Qebal — raiz de Kabbalah — significa, literalmente, receber para compartilhar. Nada nos é dado apenas para nós. Tudo que nos toca verdadeiramente é chamado a ser partilhado.

Esse texto, portanto, não é uma devolução mecânica — é um ato de fidelidade àquilo que me foi confiado em forma de semente.
E que agora, regado por tempo, vivência e consciência, floresce na forma de palavras que distribuo com todo amor que tenho no coração.

Este artigo é, portanto, minha reinterpretação filosófica, poética e espiritual de um texto que floresceu em mim. Não é uma tradução literal, tampouco uma análise crítica. É um gesto de gratidão, uma oferenda que devolve ao mundo o que recebi dele — agora transfigurado pela experiência, pela dor, pelo amor e pela consciência que o tempo cultivou em mim.

Tomei a liberdade de incorporar ideias e ecos de autores que fazem parte da minha jornada: Viktor Frankl, Martin Buber, Montaigne, Lao-Tsé, Epicteto, Jung, a Cabala Judaica, o Eclesiastes, entre outros. Todos eles orbitam em torno do mesmo núcleo: a consciência que floresce com a vida vivida em profundidade.

Este ensaio não é um comentário acadêmico. É um testemunho. Porque alguns textos nos atravessam antes mesmo que saibamos que precisávamos deles — e, por vezes, tudo o que podemos fazer é florir de volta.

2. O Poema e Suas Metamorfoses

O texto que inspirou este ensaio nasceu como um poema breve e honesto, escrito por Veronica A. Shoffstall em 1971, em um momento de introspecção e amadurecimento afetivo. Intitulado After a While, foi publicado originalmente em um anuário estudantil e permaneceu por anos como uma peça discreta da literatura americana contemporânea.

Com o tempo — e com a força do conteúdo que tocava corações em silêncio — o poema ganhou o mundo pela via não autorizada da internet. Circulou em milhares de sites, e-mails e blogs, frequentemente atribuído a William Shakespeare ou Jorge Luis Borges, dois gigantes da literatura cuja autoridade “emprestada” parece ter servido mais como amplificador do que como disfarce.

Mas o mais curioso não é apenas a atribuição errônea — é a transformação do poema ao longo do tempo.

As versões que se espalharam ganharam acréscimos: novos versos, paráfrases, repetições... À primeira vista, pareceriam adulterações. Mas, ao contrário do que normalmente ocorre nesse tipo de fenômeno, as adições mantiveram a dignidade do texto original. Elas não o desfiguraram. Ampliaram sua ressonância.

Poucos textos sobreviveriam à intervenção popular com tanto equilíbrio e coerência.
Nesse sentido, After a While tornou-se um organismo vivo, cuja mensagem essencial — sobre autonomia emocional, amadurecimento e responsabilidade afetiva — permaneceu intacta, mesmo quando ressoada em outras vozes.

Por esse motivo, escolhi incluir abaixo uma tradução fiel da versão original, seguida da minha releitura filosófica, poética e espiritual, que nasceu do contato com esse texto em 2016 e floresceu lentamente ao longo dos anos.


Depois de um Tempo

por Veronica A. Shoffstall (1971)
(tradução livre por Jorge Henrique de Freitas Pinho)

Depois de um tempo, você aprende
a sutil diferença entre
segurar uma mão e acorrentar uma alma,
e você aprende que o amor não significa depender,
e que companhia nem sempre significa segurança.

E começa a aprender
que beijos não são contratos,
e que presentes não são promessas,
e começa a aceitar suas derrotas
de cabeça erguida e olhos abertos,
com a graça de uma mulher,
e não com a dor de uma criança.

E aprende
a construir todas as suas estradas no hoje,
porque o terreno do amanhã
é incerto demais para planos,
e os futuros têm o estranho hábito
de despencar no meio do voo.

Depois de um tempo, você aprende
que até mesmo o sol queima, se houver excesso,
então você passa a plantar o seu próprio jardim
e a decorar a sua própria alma,
em vez de esperar
que alguém lhe traga flores.

E aprende
que você pode suportar,
que realmente é forte,
e que tem, de verdade, valor.

E você aprende, você aprende...
Com cada adeus, você aprende.

3. O Gesto que Liberta

Depois de algum tempo, não apenas se aprende — a consciência floresce. Mas não como o desabrochar de uma flor de estufa, protegida das intempéries. A consciência que floresce é aquela que enfrentou o inverno da alma, e aprendeu que a luz mais legítima brota da sombra atravessada pela dor e pelo sofrimento.

Como disse Jung, “a árvore que cresce até o céu precisa ter raízes no inferno” — e só quem desceu ao fundo de si mesmo, ao cerne do que tem de pior, sabe o valor de cada pétala que desabrocha na superfície depois das provações.

Essa consciência que floresce é a travessia da alma entre dois tempos: o da expectativa e o da maturidade. Como escreveu Marco Aurélio, “a alma se torna aquilo que contempla”. E ao contemplar a própria existência com olhos desarmados, aprendemos que a grande força da vida está não no que possuímos, mas no que permitimos ser, a nós mesmos e aos outros — sem dominar, sem prender, sem condicionar.

Desperta-se, então, para a delicada verdade de que a mão estendida deve ser gesto de acolhimento — não de grilhão que acorrenta a alma. Aprende-se que amar é presença firme e leve — não posse que aprisiona.
E que o verdadeiro vínculo é aquele que incentiva a liberdade, mesmo sob o risco da perda. Em um mundo onde tantos confundem cuidado com controle, percebe-se que o amor maduro não retém — ele sustenta. Nada impõe — tudo oferece.

Como ensinou São Paulo aos Coríntios:

“O amor é paciente, o amor é bondoso.
Não inveja, não se vangloria, não se orgulha.
Não maltrata, não procura seus interesses,
não se ira facilmente, não guarda rancor.
O amor não se alegra com a injustiça,
mas se alegra com a verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
(1Cor 13,4-7)

Esse amor, por ser despojado de si, é pleno em si. Não precisa dominar para permanecer, nem exigir para ser reconhecido. Ama porque escolhe amar — e é nessa escolha, livre e firme, que se revela sua força. Amar, nesse grau, é caminhar ao lado — não à frente, nem atrás. É saber que a presença não depende da posse, e que a liberdade, quando partilhada, aprofunda os vínculos em vez de rompê-los.

E por vezes, o gesto mais generoso é o abraço que se contém para não prender.
Há vínculos que libertam e afetos que acorrentam. A consciência que floresce sabe a diferença — e não a negocia. Ela reconhece que há uma grandeza silenciosa no deixar ir sem ressentimento. Que há mais amor na liberdade partilhada do que na presença imposta. E aprende que proteger alguém da sua própria liberdade é o mesmo que negar-lhe a possibilidade de crescer.

Esse aprendizado não nasce de teorias.
Nasce da dor, da escuta, da solidão e da maturação silenciosa do tempo. Floresce no dia em que deixamos de pedir garantias, e começamos a oferecer presença. No momento em que compreendemos, com humildade e firmeza, que ninguém é nosso — e, ainda assim, é possível amar profundamente.

4. Raízes em Si Mesmo

Aprende-se, com o tempo, que nenhuma presença externa pode substituir o abrigo interior. Há companhias que aquecem — e há presenças que obscurecem. Nem todo silêncio é ausência; nem todo ruído é cuidado. A maturidade começa quando deixamos de buscar segurança nos outros — e começamos a cultivar solidez em nós.

Como advertia Montaigne:

“A alma que não tem pouso em si mesma vagueia por entre os outros em busca de si.”

Compreende-se, então, que o outro pode ser espelho — mas jamais fundação. E que exigir que alguém nos dê estabilidade é quase sempre injusto: o alicerce da alma precisa ser construído por dentro.

A consciência floresce quando cessamos de terceirizar nossa inteireza, e reconhecemos que o amor mais nobre não ampara por falta — ampara por transbordamento.

Como ensina Viktor Frankl:

“O ser humano é aquele que inventa o amanhã, mesmo aprisionado no hoje.”
Mas só floresce quando a semente de sentido encontra solo firme — não no outro, mas em si.

Aprende-se, também, que existem palavras sem raiz, gestos sem verdade e promessas sem presença. Há beijos que prometem o que o coração não pode sustentar. Há cuidados que são apenas ansiedade disfarçada. Prometer sem compromisso é semear no vento.

É por isso que, com o tempo, deixamos de exigir garantias — e passamos a oferecer presença. Sem controle. Sem cobrança. Sem apego.

5. O Sentido da Jornada

E então se compreende que não basta caminhar — é preciso caminhar com propósito. Porque passos vazios, ainda que firmes, não conduzem a lugar algum.
O movimento sem direção é apenas dispersão disfarçada de progresso. A maturidade chega quando a urgência cede espaço ao sentido.

O amanhã, tão radiante nos calendários da juventude, revela-se — com o tempo — um solo instável demais para sustentar castelos. Tentar fincar morada no que ainda não veio é erguer tendas no vento. Como escreveu o Eclesiastes:

“O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi.”

A consciência floresce quando entendemos que o presente não é uma ponte para depois — é morada, é altar, é chão. Frankl nos lembra:

“A vida não pergunta o que esperamos dela — é ela que nos interroga sobre o que fazemos com o que nos foi dado.”

Descobre-se, então, que o hoje não é apenas passagem: é responsabilidade e revelação.
Que viver bem o instante não é ceder ao imediatismo, mas honrar o que há de eterno naquilo que passa.O sentido da jornada não está no destino, mas na lucidez com que se caminha.

Como dizia Heráclito:

“O tempo é uma criança que brinca com pedras. O reino pertence a ela.”

E talvez o mais sábio seja aquele que aprendeu a brincar com o tempo sem se perder dele.

6. O Perdão como Ato de Resistência

Com o tempo, descobre-se que há dores que não são ofensas — são apenas limites do outro. Nem toda ferida vem da maldade: muitas brotam da ignorância, do medo, da imaturidade.
Julgar o outro apenas pela dor que nos causou é esquecer que também somos, nós, limites na história de alguém.

Como ensina o Talmude:

“Não julgues teu semelhante até que tenhas estado no lugar dele.”

E mesmo assim — sê humilde. Pois ninguém se repete no tempo, nem na alma.

Perdoar, aprende-se, não é esquecer — é libertar-se. É recusar-se a beber o veneno da mágoa, mesmo lembrando o cálice.
Não absolve o passado — purifica o presente.

Como dizia Sêneca:

“A ira é um fogo que consome primeiro quem a acende.”

Mas há algo mais profundo: perdoar é resistir à crueldade do mundo. Como escrevi em homenagem a Edgar Morin, o perdão é um ato de insubmissão ética ao ciclo da vingança e do ressentimento.

Em tempos de fragmentação e violência simbólica, perdoar é revolucionar. É, como diz Morin:

“Recusar a lógica do castigo, e sustentar a dignidade no meio da selvageria.”

Quem perdoa rompe o pacto invisível com a brutalidade. E afirma o humano no que o mundo tem de desumano.

Por isso, o perdão não é fraqueza — é uma das formas mais altas de coragem espiritual.


7. Vínculos que Revelam

Descobre-se, na travessia, que a alma humana é feita de vínculos mais do que de posses. Não somos o que acumulamos — somos os encontros que nos revelam, os afetos que nos atravessam, os laços que nos moldam. Como ensinava Buber, “o Eu só existe na medida em que encontra o Tu”; é na reciprocidade que nos tornamos inteiros — nunca na autossuficiência.

Com o tempo, aprende-se que os verdadeiros amigos são raros — e mais: são escolhidos pela alma antes de serem reconhecidos pela razão. Há algo de sagrado nos encontros que nos transformam. Como dizia Montaigne sobre La Boétie:

“Porque era ele, porque era eu.”

Há afinidades que não se explicam, apenas se reconhecem. A maturidade revela que não é preciso exigir permanência. A presença é mais preciosa quando não é imposta, e o amor, mais profundo, quando não aprisiona. Honrar presenças é entender que todo encontro pode ser dádiva, mesmo que não seja destino.

E então se aprende que deixar ir, quando necessário, é também um ato de amor —
não o amor que retém por medo, mas o amor que liberta por respeito.

Lao-Tsé diria:

“Aquele que retém, perde. Aquele que solta, possui.”

E a Cabala lembra que algumas almas se tocam apenas por um instante — mas esse instante basta para iluminar um ciclo inteiro da existência.

8. A Herança Invisível

Com o tempo, descobre-se que os pais habitam em nós mais do que imaginávamos.
Não apenas nos traços ou nos gestos, mas nos silêncios, nos receios, nas escolhas que repetimos sem saber por quê. Aprende-se que carregamos não apenas uma história individual, mas um enredo entrelaçado por gerações — com suas virtudes, seus traumas, seus legados invisíveis.

Como ensina a tradição hebraica, nossos atos dialogam com os méritos e as faltas de nossos antepassados, pois o tempo é uma espiral onde nada se perde — tudo se transforma.

Percebe-se, então, que não somos folhas soltas: somos galhos de uma árvore que atravessa o tempo, e cujas raízes, muitas vezes, nos sustentam sem que saibamos.
Aprende-se que os ecos dos nossos pais vivem em nossos gestos mais automáticos — e também nos nossos grandes silêncios.

E então compreende-se que corrigir o mundo começa por corrigir-se. Que os grandes discursos éticos perdem o valor se não forem precedidos por pequenos atos coerentes. Não há justiça duradoura sem hábitos de retidão discretos, repetidos no anonimato dos dias.

Como lembrava Confúcio:

“Governar a si mesmo é o primeiro dever de quem deseja governar qualquer outra coisa.”

A maturidade, aprende-se, não é endurecer — é discernir. Não se trata de fechar o coração, mas de abrir os olhos da alma. Firmeza não é rigidez — é fidelidade a um eixo. Delicadeza não é fraqueza — é força interior traduzida em forma humana.

Marco Aurélio dizia:

“A suavidade é invencível quando nasce da clareza.”

E o Eclesiastes completa:

“Melhor é o homem paciente do que o valente, e melhor é o que governa o seu espírito do que o que conquista uma cidade.”

9. O Valor dos Sonhos

Descobre-se, enfim, que sonhar não é fugir da realidade — é reencontrar a sua vocação mais íntima. O sonho verdadeiro não nos aliena: nos convoca. Não nega o mundo — revela seu potencial mais nobre. Como ensinava Viktor Frankl: “O ser humano é empurrado pelo passado, mas é puxado pelo futuro.” E esse futuro toma forma nas imagens invisíveis que o coração ousa conceber antes que os olhos possam ver.

Os sonhos das crianças são sementes de um mundo mais puro. São orações não ditas, imagens arquetípicas de uma alma ainda em estado original. A Cabala nos recorda que a criança guarda consigo o vestígio do mundo superior — o resplendor da luz anterior à queda.

Por isso, matar um sonho é abortar uma aurora. É impedir o sol antes da alvorada.
É interromper a promessa ainda em embrião.

Aprende-se, então, que zombar da esperança é zombar da própria alma. Que desprezar a fé dos frágeis é desprezar a centelha divina que sobrevive nos desertos da existência. Como dizia Buda: “Toda a realidade foi antes um pensamento.” Zombar do sonho é negar à realidade o direito de se tornar melhor.

Saint-Exupéry já nos alertava, pela boca de seu pequeno príncipe: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças — mas poucas se lembram disso.” E nós, ao recordar, não apenas nos tornamos mais humanos — tornamo-nos jardineiros do invisível.

10. A Força do Amor Imperfeito

Aprende-se, sobretudo, que a raiva é humana — mas a crueldade é escolha. A raiva pode ser legítima: defesa da alma diante da injustiça. Mas a crueldade é cálculo. É quando a dor se torna instrumento — e não expressão. Como ensinava Epicteto: “Não são os eventos que nos ferem, mas o julgamento que fazemos deles.” É nesse julgamento que a escolha moral se revela.

Com o tempo, percebe-se que nem todos que nos amam sabem como amar. Há afetos tímidos, mal aprendidos, embrutecidos pela dor ou pelo medo — mas nem por isso menos reais. Como diria Buber:

“Há pessoas que só conseguem amar na linguagem do silêncio ou da ausência.”

Aceitar o amor como ele vem — imperfeito, hesitante, mas genuíno — é um dos maiores atos de humildade do espírito. Significa compreender que nem sempre o afeto saberá a forma exata de se manifestar, mas que ele existe, ainda assim, no esforço de tentar.

E então se descobre que, por vezes, perdoar-se é mais difícil do que ser perdoado.
Porque carregamos pesos invisíveis, culpas antigas, erros que ninguém mais lembra — mas que a consciência insiste em guardar como cicatriz aberta. Frankl nos alerta: “A liberdade humana não é a liberdade de fazer o que se quer — mas de assumir o que se fez.” E só quem assume pode, enfim, se redimir.

O auto-perdão não apaga o passado, mas restaura a inteireza interior — e é aí que a alma recomeça a florescer.

Aprende-se, enfim, que a verdadeira força não está em controlar ou punir, mas em compreender, acolher, e libertar. E que o amor mais forte é aquele que sobrevive à imperfeição — sem exigir pureza, sem cobrar plenitude, sem dramatizar o inacabado.

11. A Última Voz

E quando o tempo já não ensina, a consciência começa a falar. Ela não grita. Não acusa. Ela sussurra — e o sussurro é o som da verdade que já não precisa provar nada.

É nesse ponto que compreendemos, com a serenidade de quem já perdeu e amou, que a vida não espera que consertemos o que partiu. O mundo segue — indiferente à dor ou à beleza, como o rio que não volta para buscar a folha que afundou.

É inútil suplicar que o passado nos devolva o que levou. Mas é sábio plantar onde ainda há solo. Como ensina o Corpus Hermeticum: “Assim como tudo que está em cima está também embaixo, e tudo que está embaixo reflete o que está acima.” O jardim que floresce fora é espelho do que cultivamos dentro.

Se quisermos flores, devemos plantar.
Com mãos marcadas pelas perdas, mas olhos abertos ao possível. Com fé no invisível, e coragem de começar de novo — mesmo depois do que parecia ser o fim.

Como diz o Eclesiastes:

“Há tempo de rasgar e tempo de costurar; tempo de calar e tempo de falar; tempo de plantar, e tempo de colher.”

E então compreendemos que o tempo de plantar é sempre agora. Não porque alguém virá. Mas porque merecemos caminhar entre jardins.

12. Epílogo: Quando enfim a Consciência que Floresce

Não porque alguém virá — mas porque merecemos caminhar entre jardins que nós mesmos cultivamos. Não porque o mundo nos deva beleza — mas porque cultivar beleza da liberdade é resistir ao deserto do apego.

Plantar, mesmo em solo árido, é afirmar que a esperança não depende das previsões — mas da fidelidade ao que nos habita.

E então compreendemos: Que somos mais fortes do que parecemos. Mais frágeis do que admitimos. Mais preciosos do que supomos.

Que a alma humana é essa alquimia paradoxal: capaz de tombar por um sopro e erguer-se por um gesto. Capaz de suportar o inverno e ainda assim desejar convolar-se em flor.

Descobrimos que a vida vale realmente a pena— mesmo quando não a entendemos.
E que nós valemos — mesmo quando ainda estamos aprendendo a cumprir nosso papel nesta curta existência.

Como dizia Viktor Frankl:

“A vida nunca deixa de ter sentido, mesmo quando já não somos capazes de percebê-lo.”

E Martin Buber completa:

“O sentido mais alto só se revela a quem está presente.”

Presente ao instante.
Presente ao outro.
Presente a si mesmo.
Presente ao mistério de continuar florescendo — mesmo quando o mundo parece inverno.

Porque a consciência que floresce não é aquela que tudo compreende — é aquela que tudo acolhe com dignidade. E a vida — quando sorvida assim — torna-se, ela mesma, uma oração em movimento.

(*) O autor é advogado, Procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.

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