
O Legado do Papa Francisco Vai Muito Além de Um Pontífice Simpático e Bonzinho, por Virginia Pignot*
15/05/2025 -
Francisco foi o primeiro papa jesuíta, do Hemisfério Sul, e da América Latina, “periférica”. No início do seu pontificado no Vaticano ele disse que vinha “do fim do Mundo”. E quando interrogado por um jornalista sobre o que um papa “quase do fim do mundo” poderia trazer, ele citou a filósofa argentina Amélia Podetti: “A realidade é melhor vista dos extremos que do centro; à distância a universalidade é melhor compreendida.”

Abrir portas
Ao longo dos 12 anos à frente da Igreja católica Francisco foi abrindo portas, oxigenando a igreja.
Francisco mostrou, encarnando o papel do apóstolo que divulga o evangelho, que o Vaticano não pode olhar o mundo só do ponto de vista da riqueza, dos poderosos. Trabalhou e convocou atores para participarem da luta pela dignidade da vida, pelo direito ao trabalho e à paz, pela saúde do planeta, contra a desigualdade. Ele veio nos lembrar que o cristianismo começou na simplicidade dos espaços periféricos, e não em suntuosas catedrais.

Elementos da sua biografia
Filho de pai italiano que deixara a Itália fascista de Mussolini, e de mãe descendente de italiana, ele cresceu em um ambiente familiar extremamente católico. Ordenado sacerdote em 1969, Bergoglio destacou-se por sua humildade e proximidade com o povo. Foi professor, reitor, e consagrado arcebispo de Buenos Aires em 1998.
Em 13 de março de 2013, foi eleito o 266° Papa da Igreja Católica, escolheu o nome de Francisco em referência à S. Francisco de Assis. Ele dispensou o luxo do Vaticano, foi o papa que esteve mais próximo do povo simples. Visitou presos e lavou os pés deles. Defendeu os “3Ts”: Terra, teto e trabalho, como direitos básicos e sagrados para uma vida digna. Se interessou pela preservação do nosso planeta, criticou métodos extrativistas que provocam doenças e destruição do meio ambiente, e legisladores que autorizam estes métodos nocivos.
Um sonho
Para D. Itacir Brassiani, bispo de Sta. Cruz do Sul, o papado de Francisco foi um sonho que começou a se realizar. Um sonho de uma igreja simples e radicalmente cristã, parceira dos pobres e das vítimas, alegre no testemunho e ousada nos compromissos.
A economia de Francisco
“Da mesma maneira que se comanda “não matarás”, deve-se dizer não à economia da exclusão e da desigualdade, já que esta economia mata”. O Papa escrevia já em 2013. Durante a pandemia de COVID-19 o pontífice escreveu na carta “Fratelli tutti” (Todos irmãos) uma critica à idolatria do dinheiro: “As politicas do mercado livre demonstram ser incapazes de resolver os principais desafios da humanidade, por mais que queiram nos fazer acreditar neste dogma da fé neoliberal.”
Em diferentes encontros, o Papa convidou economistas, jovens, agricultores, indígenas, acadêmicos, movimentos populares, donos de empresas, e todos que aspiram a uma economia mais humana à reflexão e à ação; no encontro em Assis, justamente na cidade de S. Francisco, ele afirma que a transição ecológica só será possível com a mudança do modelo econômico do século XX, que atacou os recursos naturais e feriu a Terra. Se trata de transformar uma economia que se desumanizou, perdeu sua alma na busca desenfreada por lucros, em uma economia de vida, inclusiva e sustentável, visando o bem comum.
Como colocar a economia a serviço do povo?
O Papa Francisco defendeu a globalização da esperança que nasce do povo, e que deve substituir esta globalização da indiferença e da exclusão. Tarefas que requerem o apoio de movimentos populares e planos de execução foram traçados. Entre as tarefas, a ecologia integral, cuidar das pessoas e da casa comum. No Nordeste brasileiro por exemplo foi criado o Programa de Convivência com o semiárido, a partir da organização da sociedade civil, das pastorais sociais. A partir da escuta da população o programa identifica problemas e propõe soluções. O programa desenvolve iniciativas, como a cisterna de placa ao lado da casa, principalmente em área rural, para captação e armazenamento da água da chuva, e a agroecologia, a produção de alimentos sem veneno, sem agrotóxico. Sistemas ou planos financeiros de economia solidaria são criados,
como o Finapop. A finalidade primeira do dinheiro aplicado aqui é a de ajuda à realização de um projeto, e não a busca desenfreada por lucros.

Meio Ambiente
Outro exemplo, outra região, a exploração ecológica de produtos naturais que permite a preservação da floresta e meio de subsistência para populações locais, em vez do desflorestamento produzido por mineradoras ou pelo agronegócio para produzir alimento para rebanhos, que só beneficiam os donos do negócio, além de causar crise climática.
O evangelho segundo os pobres e o papel da velha midia
Em artigo no jornal ggn por you tube, Reynaldo Aragon e Sara Goés denunciam: “Francisco foi alvo de uma sofisticada máquina de desinformação e difamação articulada por ultraconservadores, os novos exércitos digitais do neofascismo global. A extrema direita o chamou de comunista, a mídia o silenciou, e os fundamentalistas religiosos o odiaram. Desafiou a ordem Global e teve imagem apagada.
A velha mídia o reduz a ‘líder espiritual gentil’,‘à voz do dialogo’, omitindo deliberadamente seu vigoroso enfrentamento ao sistema financeiro global, suas duras críticas ao apartheid israelense e sua incansável denúncia das guerras, da desigualdade e do colonialismo. Apagam assim sua aliança com os povos do sul e com lideres populares como o presidente Lula, uma aliança que unia fé e politica em torno da justiça social, da soberania e da autodeterminação dos povos. Ao moldá-lo em gesso, como um santo inofensivo, tentam sepultar com ele a potência de um evangelho que desafia as estruturas de dominação.”
Seu legado não é memória, é direção
Aconselho o documentário de Wim Wanders, Papa Francisco, um homem de palavra, disponível na Netflix e outras redes distribuidoras. E acrescento belo texto de jovem (PapaIFinança), que encontrei nas redes sociais:
“Hoje o mundo silencia pela partida de uma voz. A partida de uma voz que por mais de uma década, enfrentou o barulho dos poderosos,
Denunciou o veneno de uma economia que mata.
O Papa foi a consciência incômoda de um sistema doente
Foi coragem num tempo de covardes
A voz dele se cala, mas seu legado ressoa como um trovão. Agora é com a gente, na ousadia de cada jovem a recusar a herança de um sistema que está quebrando o equilíbrio do planeta. Que a economia de Francisco não morra com ele.
Descanse em paz, Papa Francisco.”
*Virgínia Pignot é médica e articulista. Mora em Toulouse, França, desde os anos 1980.

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