Por Romero Falcão*

Não, não escrevo, quem toma a pena de assalto são os bonecos- bebês reborn- os quais choram de indignação. A febre ganhou as redes sociais nas últimas semanas, depois de vídeos exibirem "mães" com seus bebês de aspecto idêntico a uma criança humana. Pele, cabelo, olhos, cordão umbilical, simulação de parto, certidão de nascimento e carteira de vacinação. A brincadeira pode custar de R$ 750 a R$ 9,5 mil- a depender dos materiais empregados na confecção- segundo li na imprensa.

buraco existencial

O mestre Luiz Gonzaga cantou: "Toda menina que enjoa da boneca é sinal que o amor já chegou no coração". Nesses tempos estranhos, a boneca fez o caminho inverso, retornou aos adultos porque o buraco existencial, emocional, se aprofundou no coração? Por sua vez, o capitalismo não perde viagem, fareja oportunidade de arrancar dinheiro por dentro e por fora da carência de cada um de nós. Primeiro, foi os pais de pets, agora pais de bonecos. Tudo vira negócio, oportunidade. O que não falta, nem faltará, são consumidores, cada vez mais ávidos de preencher o vazio.

"filho" de silicone

Sim, temos o direito de fazer o que bem entendermos, criar bebê artificial como um filho de verdade. Mas o bebê que escreve este texto, se pergunta em lágrimas: é razoável, num país como o Brasil, cuja miséria, desigualdade, é gritante, brutal, pagar R$ 1000 num carrinho de bebê pra pet? R$ 9,5 mil Num "filho" de silicone? É razoável, saber que um nenê reborn muito bem agasalhado, um pet que não sabe que é um pet, viver num luxo, com todas as mordomias, enquanto uma criança treme de frio e fome debaixo de um papelão abrigado pelo viaduto que a gente passa dentro do confortável carro com cadeirinha pra pet?

*Romero Falcão é cronista.