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É Findi - Na Aurora - Conto Erótico, por Romero Falcão*

17/05/2025 -

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Enquanto aguardo a vez na sala de espera do médico, decido escrever ficção. O troço vem numa lapada. Despejo no celular.


Concorrência desleal

Sou um mulher independente, quarenta e oito anos, pago minha bebida, bons restaurantes, perfume caro, viagens pra Europa. Embora tenha uma conta bancária gorda, é magrinha a esperança na humanidade. Já fui sentimental, regada a emoções, entretanto, hoje estou mais concreta, mexida em pedra e cimento. Não tenho papa na língua, nem pelos no púbis. Graças à depilação definitiva, o desenho do meu sexo é de menina. Me cuido muito-que se dane a ênclise- tenho arcada dentária invejável e boca podre nos momentos íntimos. Por falar em momentos íntimos, depois que descobri, na pandemia, no isolamento social, os brinquedinhos mágicos, principalmente um que massageia, suga meu clitóris com maestria- ainda posso regular a velocidade- e ao mesmo tempo me penetra. Fiquei louca por essa forma de prazer. Céus, explodo duas, três, cinco vezes. É tão intenso, forte, que o jato é de homem. Nenhuma língua humana é capaz de tal feito. Sim, reconheço a concorrência desleal, mas isso é culpa da tecnologia. Culpa, nada, é presente de Papai Noel. A oitava maravilha do mundo.Sem falar que não corro o risco de contrair DST, nem tampouco gastar meu suculento coração com sentimentos ralos. Faz tempo que um homem não me leva pra viajar com as estrelas. Sou uma mulher prática, errática, engenheira de formação, ateia por convicção.



Olhar de cafajeste

Tudo corria no mais perfeito controle, até entrar naquele bar de luz fraca e um gordo, de barba longa, tocando Bob Dylan na guitarra. Nas mesas, casais se beijavam, um cheiro forte de maconha me deixava enjoada.Pensara me retirar sem se sequer entornar uma dose de whisky, foi quando avistei uma criatura moreno bronze, rosto másculo.Trocamos demorados olhares.Num desses sorriu, me cativou. Sorriso radiante, dentes brancos, não aquele branco extremo, artificial, feito na cadeira do dentista. No conjunto, um homem feito pela natureza num dia de inspiração. Não, não é aquela beleza de comercial de TV ou de ator de novela, há alguma coisa que desafia as proporções da aritmética, os cálculos da engenheira. De repente levanta , se aproxima, é alto, magro, aparenta uns cinquenta e quatro anos, não é malhado, mas por trás da camisa justa, de malha, não guarda a bola de basquete, tão comum nos cinquentões. É ousado- adoro. Cheio de educação, posso sentar? Sim, claro, mas não deixa escapar o olhar de cafajeste- tem mulher que aprecia. Posso aprender a gostar? O nome dele é Hermes. Faço de conta que mexo no zap, dou um Google, pesquiso o significado: "Deus grego, da sorte, da riqueza, dos ladrões, do sono, da diplomacia". Será golpe?

Cartas de Van Gogh

A conversa é agradável, inteligente, temperada com pitadas de humor e ironia. Concentro mais na boca do que no olhar de cafa. Na boca dele me vejo acesa. Disfarço, pergunto aquelas idiotices de sempre, o que faz da vida, gosta de quê? Ele é misterioso, não diz exatamente como paga as contas, se sustenta. Mas fala sobre qualquer assunto com desenvoltura. É culto, crítico, ágil mentalmente, convincente nos argumentos.Sabe de cabeça trechos das cartas de Van Gogh para o irmão Theo. Cita páginas do denso livro, "Em busca do Tempo Perdido", de Proust. Que memória espetacular. Não é que o desgraçado me impressiona. O intelecto acima da média- isso me dá tesão. Faz parte do golpe? Não demora, as bocas se apressam, ele me beija. Não é todo mundo que beija bem, são poucos. A língua é hábil, atrevida, selvagem, acerta no encaixe. Meu Deus- por hábito, não por metafísica- imagino na cama. O brinquedinho buzina, ei, alto lá, você não precisa disso. É, ele tá certo. Ainda mais uma figura que não sei de onde vem, se é do bem, do mal. Acorda, inconsequente. O jornalismo policial traz a cantiga todos os dias- matou a tiro, a facadas, espancou, saiu andando calmamente pelas ruas. E tem bandido lendo as cartas de Van Gogh? O clássico de Proust? Nesse caso seria um fora da lei atípico, está mais pra psicopata, são inteligentíssimos. Nossa, quanta escuridão dentro dos pensamentos. Peço outro whisky pra clarear as ideias.



Manuel Bandeira está contente

Estou vendo o "táxi lunar", te acompanhei no whisky, não tenho costume. Você mora onde? Na beira do Capibaribe. Na Beira Rio? Não, na Aurora. Ah! Na correnteza da poesia. Ariano Suassuna e João Cabral trouxeram luz pra rua da Aurora, outrora tão apagada. Manuel Bandeira está contente. Mais uma vez usa estratégia literária. Faz parte do golpe? Minha suspeita se agrava quando propõe passarmos o resto da madrugada juntos, já que não poderia dirigir de volta pra casa, se arriscar numa blitz de trânsito. O mesmo plano pra carência feminina? Comigo, não, violão. Mas isso é prudência racional, porque o corpo pede esse Deus grego no meio das minhas bem feitas e cobiçadas coxas. E como pede. Vocês, homens, não imaginam a agonia nos cantinhos quentes. Não, não disse que moro sozinha. As variáveis aceleram o medo. Ele me jogaria do décimo andar ? A polícia cientifica amanhecendo ao redor do sangue escuro no asfalto, isolando a área, tirando fotos, calçando luvas, catando meus pedaços espalhados? Me cortaria em fatias escondidas em sacos ou dentro da mala carregada por mãos frias? Audiência garantida nas telonas e telinhas, sem dúvida.Que horror! E minha filha única, na Inglaterra, sem saber da loucura da mãe.Sairia na tela do Fantástico? Meu Deus- por hábito, não por metafísica.Apesar do terror me atingir feito raio, resolvo pagar pra ver.Vamos para o meu apartamento? O olhar de cafa se transforma num lobo.Talvez não queira o meu dinheiro, quer o meu fígado. Ainda assim, irei até o fim. Esse cafa parece perfeito pra soltar meus bichos.



Taça de vinho

Ele estaciona na garagem reserva. No elevador, revela a idade, 64 anos.Fico bege, desapontada.Não se trata de preconceito, etarismo, e sim de vivência, realidade.Nessa faixa etária é complicado usar a borracha sem comprometer a ereção. Quem sabe uma forcinha medicamentosa.Abro a porta, Hermes vai direto pra varanda.Contempla o Capibaribe sob a lua do Recife. Que visão esplêndida, essa vista não tem preço. Olha o catamarã.Seu AP é um luxo em todos os sentidos. Ele se afasta, vai ao banheiro.Lá no bar senti seu asseio, assim como os neurônios, a higiene é acima da média- amo. Dou-lhe uma tolha felpuda, entra no chuveiro. O banho é demorado, bom sinal. Até que sai enrolado.Uma taça de vinho? Sim, gosto, se tiver do branco, melhor ainda. Aproveito, corto uns queijos de primeira.E aquelas caixas no seu quarto? São meus brinquedinhos, coisa de mulher.Demoro na cozinha, só de calcinha, preparando uma tábua de frios.A toalha cai, o espelho da sala reflete seu copo nu já em ponto de bala mirando o meu.O armamento me encanta, salivo desejo, deitamos no sofá.Um cavalo indomável dentro da borracha dissipa meus receios, atiça meus seios. Minha menina pega fogo.Derrubo a taça e todos os temores.Logo mais, no sol das 10h, o caminhão do lixo recolherá uma caixa de brinquedinhos.


*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.
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