
É Findi - Sob a guarda solar, crônica, por Ana Pottes*
17/05/2025 -
Há momentos especiais nos quais saltam para o mundo e tudo se transforma em montanha-russa ou pista de corrida, como se a vida tivesse que ser laçada para não acabar naquele minuto.
Os rebuliços passam e eles param, sentam ou mesmo se jogam em um canto, a descansar da exaustão, olhares perdidos, procurando o que ainda não veio.
O tempo estaciona na porta da frente. Tudo permanece calmo e só a máquina do tempo tem voz ativa.
Do meu posto de observadora fico admirando o movimento do nada em torno de mim.
Então, em ordens do além que partem de vozes inaudíveis ou sinais dos deuses da diversão, materializados em animais antropomórficos, partem em grunhidos, pulos, desenfreadas corridas, em busca dos tempos perdidos. O que estiver pela frente corre riscos de vida. Recordo algumas situações inusitadas: tal o dia no qual a jiboia, de vida quieta e calma, adornando o aparador, terminou aparada pelo chão e seu vaso-casa despedaçado. Em outro momento o elefante de tromba balançante, entristeceu tanto e de um salto se espatifou diante da janela que, estupefata, a tudo assistia. Lembro da história de um cilindro negro, majestoso quando florido, se desintegrar em mil pedaços. E, pasmem, em certa madrugada a sanduicheira de quase maioridade, resolveu se aposentar da vida, cansada do calor dos trabalhos e, tal trapezista, saltou para o meio da cozinha sem rede de proteção.
São rituais, creio, a perdurar em determinados horários: quando o Sol ainda se espreguiça; em sintonia com os ventos que acordam a Lua e naquele momento que o orvalho faz festa nos vidros das janelas. Fora desses tempos dormem, ressonam nos locais que escolhem para repousar.

Tenho permissão dos deuses para desfrutar da companhia e habitar com eles no mesmo espaço físico. São mestres ensinando que as horas devem ser reverenciadas pelos rituais, alguns recheados de preguiça e outros em irreverentes formas de ser feliz. São tantos movimentos de espichar, alongar, relaxar, pisar macio, se aquietar e ronronar suavemente.
Aprendo tudo isso com eles. Dois pacotinhos de carinho, alegria e afeto coberto de pelos, com os quais partilho a existência sob a guarda do irmão Sol, Francisco de Assis, que cuida de tudo.
*Ana Pottes, psicóloga, gosta de escrever crônicas, contos e poemas sobre as interações emocionais com a vida. Autora do livro de poemas: Nem tudo são flores, mas... elas existem!
