imagem noticia

A Deusa Corrupção venceu o Adeus à Corrupção - Entrevista com José Paulo Cavalcanti Filho*

17/05/2025 -

imagem noticia
Trocadilho é uma coisa de mau gosto. Mas há exceções. Como o caso do 'Bar Cú do Mundo', no Rio grande do Norte. Alguém comentou que não precisava ser tão explícito. 'Barco do Mundo' faria o mesmo efeito. Como o caso de Vyshareth, que era deusa da corrupção, da crueldade, da decadência e da morte. Descrita, nos livros de mitologia, como “astuta, cruel, maliciosa, misteriosa, odiosa, rancorosa”. Em artigo recente, o advogado e multiacadêmico José Paulo Cavalcanti Filho trocadilhou. Culto à deusa da corrupção ou adeus à corrupção. José Paulo é um pensador diferenciado, desde sempre. Não é de esquerda, muito menos se confunde com com a direita facistóide. É apenas um brasileiro com rara bagagem cultural e jurídica que tem a coragem de pensar o Brasil sem amarras e a coragem maior ainda de expressar suas ideias. O Poder foi conversar com ele.

O Poder - O Brasil é devoto da Deusa da Corrupção?

José Paulo - Durante algum tempo até pareceu que andávamos no caminho certo, com a Lavajato. Questão central, mais que problemas formais como foro mais (ou menos) adequado, é que sobretudo incomodava muitíssima gente. O Poder Econômico, com as maiores empreiteiras e grandes grupos empresariais do país. A Classe Política, com parlamentares em risco, muitos deles presos. Dirigentes partidários, quase todos já condenados. Até ministros do Supremo que recebiam propina, como “O amigo do amigo de meu pai” ? todos sabem quem é. Então, nada de adeus à corrupção.

O Poder - O que foi feito para interromper a moralizarização do País?

José Paulo - Seria necessário acabar com essa tentativa de moralização, e logo, quem essa Força-Tarefa pensa que é? O Brasil precisava, na visão utilitária desses, voltar a ser o que sempre foi, um paraíso da corrupção. E dos corruptos. E assim se deu, ao fim. Pena.

O Poder - Ao fim é ao cabo, sobrou para Collor...

José Paulo - A prisão de Collor agora ocorrida, nesse contexto, é quase uma ironia. Vemos (quase) todos os condenados, processados ou envolvidos naquelas práticas eticamente deploráveis, em cargos públicos. No centro do poder. Um deles, mesmo condenado a 400 anos, passeia em Copacabana, faz selfies, dá entrevistas às televisões e já diz que será candidato no próximo ano (2026). Com a convicção íntima de que jamais voltará às cadeias. Só Collor (e Renato Duque, dois num mundo), em cana. É injusto. Ou todos os corruptos na cadeia, ou todos na farra, diria se vivo estivesse o amigo Millôr.

O Poder - Essa corrupção entranhada no perfil do país atravessa governos.

José Paulo - Um sistema como o nosso, onde o mau exemplo vem de cima, tem consequências deploráveis. Essa roubalheira do INSS por exemplo, hoje nas páginas de todos os jornais, aconteceu somente porque os beneficiários acreditavam permanecer impunes. A começar pelo próprio ministro. Em divertida charge de J. Caesar, um cidadão pergunta: "Roubaram os aposentados no INSS, como os ladrões chegaram lá?”. E outro responde: "Foram nomeados”. É isso. Com os precedentes espraiando suas consequências.

O Poder - a CGU e a PF estão investigando. O senhor acredita em punição?

José Paulo - Dizem os jornais que até um irmão do presidente da República é chefe de uma das instituições beneficiadas. E não acontece nada com ele?, cabe perguntar. O sangue vale como proteção? Só vão para cadeia os peixes pequenos?
Nesse passo, bom lembrar o Sermão do Bom Ladrão proferido, em 1655, pelo padre António Vieira. Na Igreja da Misericórdia (Conceição Velha, Lisboa), perante D. João IV e sua corte. Palavras suas: “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Uns furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.

O Poder - O senhor diz que corrupção não é só meter a mão no dinheiro público. Podia dar um exemplo?

José Paulo - Até coisas simples parecem não incomodar os poderosos. Um ministro do Supremo vai num avião da FAB ver, em São Paulo, um jogo do Corinthians. Depois volta, naquele avião enorme com um só passageiro, em viagem não republicana. Tudo custeado pelo povo brasileiro. E não vê nisso nada demais? Todos sabem que está errado, só ele não. Ele e seus colegas do Supremo. Quem pode, pode, no íntimo diz (dizem). Já se preparando para viajar, de novo, no próximo jogo. E tudo protegido por sigilo de 5 anos decretado pelo Presidente da República, sem razão decente para determinar tal sigilo.

O Poder - Como o senhor vê o asilo à ex-primeira dama do Peru?

José Paulo - É constrangedor ver corruptos de outros países, como o Peru, sendo condenados e presos por conta da mesma roubalheira da Odebrecht que aqui já não incomoda os poderosos. E a reação do governo é risível. Concede asilo a uma condenada de lá e a traz para sua nova casa em avião da FAB, tudo pago com recursos do povo brasileiro. Por solidariedade humana?, como dizem. Ou porque ameaçou abrir o bico e contar quem ajudou na operação, em nosso país?, segundo alguns jornais. Eis a questão. Nunca se saberá, com certeza.

O Poder - O Senhor acredita que ainda é possível o ' Adeus à Corrupção' derrotar a Deusa da Corrupção?

José Paulo - Em resumo, ainda sonho com o dia em que o Brasil vai virar um país mais limpo, mais correto, mais honesto que o de hoje? Será pedir7 demais? E já que falei de Vieira, encerro com ele no mesmo Sermão: “Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis”. Ao menos isso.

*José Paulo Cavalcanti Filho.
Consultor da Unesco e do Banco Mundial. Foi presidente de EBN, do CADE e do Conselho de Comunicação Social, do Congresso Nacional. Ministro da Justiça. Membro da Comissão Nacional da Verdade. Membro da Academia Pernambucana de Letras. Membro da Academia Brasileira de Letras Membro da Academia Portuguesa de Letras ( Academia de Ciências de Lisboa).


NR - O Poder defende a mais ampla liberdade e estimula o confronto de ideias. Textos que discordem do exposto nesta entrevista serão acolhidos e publicados sem protocolo.

Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram

Telefone/Whatsappicone phone

Brasília

(61) 99667-4410

Recife

(81) 99967-9957
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar