
A morte da realidade - Quando a boneca vira gente e a gente vira bicho
26/05/2025 -
Por Zé da Flauta*
Alguma coisa muito estranha está acontecendo com a espécie humana. Quando uma pessoa adulta começa a levar uma boneca para o pediatra, colocar na cadeirinha do carro e ainda exigir prioridade no banco do ônibus, é sinal de que o botão da realidade foi desligado e alguém esqueceu de religar. E não para por aí: tem gente latindo, usando coleira, dizendo que se sente cachorro. Outros relincham, galopam e exigem ser tratados como cavalos, talvez sonhando com uma aposentadoria no Jockey Club. A pergunta é: em que ponto do caminho entre a infância e a lucidez a humanidade resolveu fazer baliza e estacionar na faixa da insanidade?

No porão
O ponto de flexão parece ter sido quando o sentir passou a valer mais que o ser. Quando o mundo decidiu que a verdade interior vale mais que a biologia, a física e a fila do SUS. Se eu me sinto mãe de uma boneca, então que se dane o pediatra que estudou sete anos pra cuidar de gente. Se eu me identifico como um pastor-alemão, que se dane o síndico que proibiu animais no prédio. É a lógica da subjetividade absoluta: nada mais pode ser contestado, porque tudo é "minha vivência". E vivência, hoje em dia, virou senha de acesso à razão. A razão, coitada, está trancada no porão amordaçada por um travesseiro de pelúcia.
Coleira
Mas, e por trás disso tudo? Será só carência afetiva? Um trauma mal resolvido? Talvez. Mas está na cara que tem método. Quando uma sociedade se descola da realidade, ela se torna mais manipulável. Gente que confunde boneca com bebê, ou focinheira com liberdade, está pronta pra aceitar qualquer coisa, até um chip na testa dizendo que é pelo seu bem. A infantilização coletiva é um projeto. Um povo que não sabe mais a diferença entre um ser humano e um objeto de silicone, também não vai saber a diferença entre liberdade e coleira, entre governo e tutor. E o que era brincadeira vai virando decreto.
Teatro emocional
Podemos até rir, mas com uma pontinha de desespero. Porque o que começou com “respeita meu sentimento” terminou com “me trate como se eu fosse um cachorro”. Estamos substituindo a vida real por teatrinhos emocionais onde cada um é o protagonista do seu delírio. E quem ousa apontar isso, vira vilão. É rir pra não se reborn de raiva. Porque chegamos num ponto da história em que a verdade ofende, o óbvio é radical, e o bom senso... coitado dele, virou lenda urbana.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
