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Ensaio Filosófico - A Ilusão da Liberdade sem Essência: Uma Crítica ao Existencialismo de Sartre

28/05/2025 -

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Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*

"O ser humano, quando perde o sentido, não se liberta — ele se perde no vazio existencial."
(Epígrafe autoral)

1. Introdução: A Promessa Vazia da Liberdade sem Essência

A declaração de Sartre de que “a existência precede a essência” soou, para muitos, como um grito de libertação — a promessa de que o homem seria, enfim, senhor absoluto de si mesmo, construtor soberano do próprio ser. No entanto, à luz da razão filosófica, da experiência histórica e da própria condição humana, essa promessa revela-se uma miragem sedutora e perigosamente ilusória. Suas consequências não são a emancipação, mas a condenação ao colapso ontológico. Ao negar a existência de uma natureza prévia — de uma essência que antecede e orienta o ser —, o existencialismo sartriano rompe com o princípio fundamental de toda tradição sapiencial: de que o homem não se cria, mas se descobre; não se inventa, mas se realiza na medida em que reconhece seu lugar no cosmos, sua vocação espiritual e seu chamado ético.

Desde os diálogos socráticos, passando pela metafísica de Aristóteles, pela ontologia tomista, pela dialética hegeliana e pela filosofia do encontro de Martin Buber, até a visão espiritual do Bhagavad Gita, da Cabala, de Lao-Tsé e de Confúcio, uma verdade permanece constante e inegociável: a liberdade não é o ponto de partida da existência — é o ponto de chegada. Ela não nasce do vazio, mas do enraizamento no ser — no Dharma, no Telos (propósito), no Tao, na ordem natural e espiritual que estrutura e sustenta o universo.

"Nenhuma coisa se move se não for em direção a seu próprio fim" — ensina Aristóteles, na Metafísica. E Tomás de Aquino aprofunda: “O bem é aquilo que todas as coisas desejam” (Suma Teológica). Negar essa estrutura não é apenas romper com a filosofia clássica — é violentar a própria inteligência da realidade.

Ao proclamar a liberdade como um absoluto desvinculado de qualquer referência ontológica, teleológica ou espiritual, Sartre inverte a ordem do real. Sua liberdade não é realização do ser — é arbitrariedade disfarçada, potência sem forma, sem critério e sem direção, que rapidamente degenera em angústia, alienação e naufrágio existencial.

Hegel, com sua imensa clareza dialética, oferece a chave desse erro: “A liberdade não é encontrada no isolamento do eu, mas na realização do espírito que se reconhece no outro, na história e no mundo.” O existencialismo sartriano rompe esse laço com o espírito, com a comunidade, com a totalidade — e, assim, dissolve também a própria possibilidade de sentido.

Martin Buber, em sua obra-prima Eu e Tu, revela a consequência última desse equívoco: ao romper com o Tu, o homem rompe consigo mesmo. Onde Sartre vê o outro como inferno, Buber vê como possibilidade de salvação. É no encontro, na reciprocidade e na relação que o Eu se realiza — e, sem isso, o Eu não se sustenta.

E quando olhamos para as tradições orientais, a denúncia se intensifica. Lao-Tsé, no Tao Te Ching, sentencia: “O homem se harmoniza com a Terra, a Terra com o Céu, o Céu com o Tao, e o Tao com aquilo que é.” Desconectar-se dessa ordem — como faz Sartre — é rebelar-se contra o próprio tecido da realidade. Confúcio acrescenta: “Governar a si mesmo é a primeira e mais difícil das virtudes.” E governar-se sem referência ao bem não é governo — é abdicação da própria humanidade.

O Bhagavad Gita, com sua sabedoria perene, resume o dilema que Sartre recusa enfrentar: “Melhor cumprir o próprio Dharma, ainda que imperfeito, do que seguir o de outro, mesmo que perfeito.” O Dharma, aqui, é precisamente aquilo que Sartre nega: a essência que precede a existência.

Viktor Frankl, testemunha da verdade em meio ao inferno dos campos de concentração, responde com a força da experiência vivida: “O homem não é livre do sentido — mas para o sentido.” A liberdade desprovida de sentido não é liberdade — é uma forma refinada de escravidão, onde o senhor é o próprio vazio.

Por isso, é preciso dizer, com todas as letras, que a liberdade, quando desconectada do bem, da verdade e da beleza, não eleva — destrói. Ela não conduz à realização, mas à dissolução. Não gera plenitude, mas angústia. Não é instrumento de emancipação, mas de autodestruição.

Toda civilização que tentou sustentar-se sobre a negação do ser, do telos e da transcendência foi, invariavelmente, arrastada para o abismo do niilismo, da violência, da perda de sentido e, finalmente, da própria autodestruição — como o século XX demonstrou de maneira trágica.






2. A Liberdade como Resposta: Superando a Ficção da Autogênese

A liberdade, na visão sartriana, é tratada como ponto de partida absoluto — um salto no vazio a partir do qual o ser humano deveria criar, sozinho, sua própria essência. Mas essa concepção, embora sedutora, não resiste à prova da realidade ontológica nem à coerência ética. Tratar a liberdade como origem é inverter a ordem dos fundamentos: é pretender que a semente explique o solo, que a escolha preceda o ser, que a vontade gere o próprio critério que deveria orientá-la.

Na tradição sapiencial — de Heráclito a Hegel, de Lao-Tsé a Viktor Frankl — a liberdade nunca aparece isolada, mas sempre situada. Ela é resposta, não princípio. É fruto, não raiz. Surge no entrelaçamento com a realidade, não na sua negação. Como dizia Merleau-Ponty, crítico sutil do existencialismo sartriano: “Não estamos diante do mundo, estamos no mundo”. A liberdade, portanto, não é autogênese — é enraizamento lúcido no mistério da existência.

A tentativa de conceber a liberdade como criação ex nihilo, ao modo de um demiurgo solitário, resulta numa ficção perigosa: a da soberania total do ego. E esse tipo de soberania — desprovida de mediação, de finalidade e de alteridade — tende a degenerar, cedo ou tarde, em solidão moral e autodestruição simbólica. Como advertiu Cornelius Castoriadis: “Uma sociedade que absolutiza a autonomia sem reconhecer seus limites está sempre a um passo da barbárie.”

Sartre quis libertar o homem de toda exterioridade opressiva — mas acabou por aprisioná-lo no cárcere de si mesmo. Ao negar qualquer telos, qualquer ordem objetiva, qualquer referencial para além do ego, ele transforma a liberdade em abismo. E o abismo, sem pontes, não é espaço de criação — é vertigem.

Essa falha não é apenas teórica. Ela tem implicações éticas profundas. Pois, como lembra Edith Stein, “a liberdade sem verdade se converte em violência”. Uma vontade desancorada de um bem real não encontra limites legítimos — apenas resistências arbitrárias. Em vez de florescer, ela se impõe. Em vez de realizar-se no encontro com o outro, ela se dissolve na indiferença.

A verdadeira liberdade, ao contrário, não nasce da negação, mas da escuta. Escuta do ser, do tempo, do outro, do invisível que nos funda. É por isso que Frankl pôde afirmar, após atravessar a noite do holocausto: “A liberdade não é o último valor — ela pressupõe a responsabilidade”. Não basta escolher. É preciso responder ao sentido.

Assim, a falácia sartriana não está apenas em exagerar a liberdade — mas em divorciá-la de tudo aquilo que a torna fértil: o bem, o tempo, a história, a vocação, o outro. A liberdade verdadeira é como um rio: sua beleza não está em fugir das margens, mas em seguir seu curso com consciência e entrega. Sem margens, não há corrente — apenas dispersão.

3. A Dissonância Performativa: Quando a Vida Desmente a Filosofia


O próprio Sartre, em sua biografia e conduta, encarna a contradição interna de sua tese. Enquanto proclama uma liberdade radical, desancorada de qualquer essência, telos ou referência ao bem, sua vida evidencia, de forma inequívoca, os efeitos corrosivos desse princípio. Sua relação com Simone de Beauvoir, frequentemente celebrada como um pacto de liberdade, revela — sob análise filosófica rigorosa — uma teia de dependências emocionais, manipulações afetivas e assimetrias éticas, que, longe de expressarem uma liberdade autêntica, ilustram uma liberdade degenerada: uma liberdade convertida em licença para explorar afetos alheios, instrumentalizar pessoas e mascarar o próprio vazio ontológico sob o disfarce de autonomia.

Não se trata aqui de uma crítica pessoal — nem de um ataque ad hominem, tão comum nos debates menores e nas polêmicas superficiais. Trata-se de algo infinitamente mais sério, mais grave e mais rigoroso: uma dissonância performativa. Quando o comportamento concreto desmente — por incompatibilidade estrutural — os próprios pressupostos que alguém defende, não é a pessoa que se refuta — é o sistema inteiro que ela representa.

Sartre pregava que a liberdade seria suficiente em si mesma, capaz de gerar, a partir do nada, seus próprios critérios, seus próprios valores e seus próprios vínculos. Mas sua própria vida, colocada sob o crivo da razão, demonstra de modo irrefutável que a liberdade, quando desconectada do bem, da verdade e do amor ordenado, não realiza o sujeito — apenas amplia sua potência de ferir e ser ferido.

Aqui, a crítica transcende o plano individual — ela se torna civilizacional. Desde Aristóteles sabemos que “aquele que se isola da pólis não é um homem, mas um deus ou uma besta” — pois a realização humana depende da integração harmônica entre indivíduo, comunidade e cosmos. E Martin Buber, ao diagnosticar a crise do homem moderno, oferece uma sentença que desmonta o existencialismo pela raiz:
"Sem um Tu, não há Eu."

A liberdade que rompe com o vínculo — com o amor, com a alteridade, com a responsabilidade — não é liberdade: é exílio ontológico.

Do Oriente vem o mesmo veredito. Confúcio ensina: "Quem governa a si mesmo sem virtude governa apenas suas próprias paixões." E Lao-Tsé, no Tao Te Ching, adverte com a precisão dos sábios: "Aquele que se exalta a si mesmo não brilha." A recusa de Sartre à ordem natural e espiritual não gera emancipação — gera obscurecimento, tanto da própria consciência quanto das relações humanas.

Viktor Frankl, que conheceu o limite absoluto da dignidade humana nos campos de extermínio, reafirma, com a força irrefutável do testemunho e da experiência, o oposto do que Sartre defendia: "O homem não deve perguntar qual é o sentido da vida, mas deve reconhecer que é ele quem é questionado pela vida." Ou seja, não somos criadores arbitrários de sentido — somos respondentes. Corresponsáveis por algo que nos precede, nos transcende e nos interpela.

O resultado dessa recusa é inescapável: uma liberdade sem ordenação ao bem não emancipa — escraviza. Desvinculada do amor, da justiça e da verdade, ela se converte em tirania do desejo, em colonização do outro, em fratura do eu e, por fim, em patologia afetiva, existencial e civilizacional.

Se o inferno, para Sartre, eram os outros, a verdade é mais grave, mais profunda e mais devastadora: O verdadeiro inferno é o eu que, desconectado do Tu, tenta existir como absoluto — e fracassa.

4. O Vazio como Legado: Quando a Filosofia se Torna Sintoma

O existencialismo sartriano, ao ser absorvido pela cultura ocidental no século XX, não gerou uma geração mais livre — gerou uma geração mais perdida, mais ansiosa, mais desconectada de si, do outro e do cosmos. A promessa de emancipação desabou, na prática, em epidemias crescentes de angústia, solidão, desordens afetivas, niilismo e vazio espiritual.

Não se trata de uma coincidência casual — trata-se de um sintoma civilizacional.
Quando o homem rompe o vínculo com o ser, com o telos, com a ordem objetiva que dá sentido e direção à existência, a liberdade, convertida em absoluto, deixa de ser virtude e se transmuta em condenação. O homem passa então a ser refém de sua própria autonomia mal compreendida — esmagado pelo peso insustentável de ser, sozinho, o legislador de um universo sem leis, sem eixo, sem céu e sem chão.

É nesse cenário que surgem figuras paradigmáticas — não como consequências mecânicas, mas como expressões culturais, existenciais e espirituais desse naufrágio metafísico. Sylvia Plath, cuja obra é uma busca estética desesperada por sentido em meio ao sofrimento, termina tragicamente engolida pela própria angústia que tentava decifrar. Yukio Mishima, em um gesto esteticamente suicida, transforma o vazio em espetáculo — dramatizando em sua morte aquilo que sua filosofia já intuía: que sem essência, o homem não suporta o próprio peso. Até Albert Camus, que tentou resistir ao existencialismo radical de Sartre propondo a revolta contra o absurdo, jamais conseguiu escapar do impasse que ele mesmo reconheceu: "O absurdo nasce do confronto entre o apelo humano por sentido e o silêncio irracional do mundo."

O problema aqui não é de causalidade linear — mas de cadeias simbólicas, culturais e espirituais que estruturam a consciência moderna. O homem que rejeita o telos, que abdica da transcendência e que se declara senhor absoluto de si mesmo não se liberta — se condena. Sobra-lhe, então, o niilismo travestido de liberdade; a angústia disfarçada de autonomia; o desespero revestido da fantasia da autossuficiência.

Aristóteles já advertira, com a serenidade dos que compreendem a arquitetura do real: "A natureza não faz nada em vão." (Política, I, 1252b) Romper com essa ordem não é um ato de liberdade — é um atentado ontológico contra a própria condição humana.

Do Oriente, Lao-Tsé reafirma: "Quando o homem perde o Tao, nasce a virtude; quando perde a virtude, nasce a moral; quando perde a moral, surgem as aparências." — um diagnóstico perfeito do homem moderno: separado do Tao, da ordem do ser, sobra-lhe apenas a aparência de liberdade — sustentada pelo vazio.

Confúcio, por sua vez, sentencia com precisão cirúrgica: "Sem reverência pelo Céu, o homem perde sua retidão. E sem retidão não há ordem nem paz." O existencialismo, ao negar qualquer céu — simbólico ou real —, não gera emancipação, mas sim colapso interior, social e espiritual.

O Bhagavad Gita, com sua clareza perene, oferece uma advertência que atravessa milênios e chega diretamente ao coração do dilema moderno: "Aquele que, por orgulho, se recusa a seguir a ordem cósmica, perde-se na roda incessante do sofrimento."

Viktor Frankl, testemunha e sobrevivente da face mais brutal do niilismo do século XX, oferece a síntese definitiva: "A angústia existencial não é sinal de doença — mas de humanidade em busca de sentido." O problema, portanto, não é a angústia — é não saber o que fazer com ela. E o existencialismo sartriano, ao rejeitar qualquer fonte de sentido que transcenda o ego, não oferece saída — apenas confirma o labirinto.

Por isso, o que essas tragédias pessoais revelam não é uma curiosidade biográfica — é um espelho simbólico da condição moderna. Quando o homem rompe o eixo vertical que conecta sua liberdade à ordem do ser, ele não se emancipa — ele implode.

5. Martin Buber e a Resposta Ética: O Outro não é o Inferno, é a Salvação

Contra a célebre — e tristemente emblemática — frase de Sartre, segundo a qual “o inferno são os outros” (L'enfer, c'est les autres), Martin Buber ergue uma das respostas mais sublimes, potentes e civilizatórias da história do pensamento:
"O homem só se torna Eu na medida em que se relaciona com um Tu." (Eu e Tu)

Aqui não há apenas uma divergência conceitual — há uma divergência ontológica, ética, espiritual e civilizacional. Onde Sartre vê o outro como limite, como espelho da condenação e fonte de angústia, Buber vê o outro como possibilidade de plenitude, caminho para a realização do ser e ponte para a transcendência.

O existencialismo sartriano expressa, em última instância, o drama do homem que se recusa ao encontro autêntico. Um homem que, ao absolutizar o próprio eu, dissolve a possibilidade da relação. Sua liberdade, desconectada do amor, do diálogo e da responsabilidade, converte-se numa prisão narcísica, onde o Eu, fechado sobre si, só pode perceber o outro como ameaça, como olhar que julga, como limite que oprime.

Buber desmonta esse equívoco na raiz. Não há Eu sem Tu. A subjetividade não é um dado isolado — é um fenômeno relacional. O ser se constitui no encontro. Fora do encontro, resta apenas o monólogo do ego, o delírio da autossuficiência e o inferno do isolamento ontológico.

Aristóteles, há mais de dois mil anos, já ensinava que “o homem é, por natureza, um animal político” — expressão que, em seu contexto original, significa que o ser humano só realiza sua natureza no convívio, na comunidade, no diálogo e na relação.

Do Oriente, Confúcio reafirma essa verdade com precisão inapelável: "O ser humano se realiza no cumprimento dos deveres que possui para com os outros." E Lao-Tsé, com a delicadeza dos que compreendem o invisível, adverte: "O que é rígido e separado perece; o que é flexível e unido permanece." A vida se sustenta no fluxo das relações, na reciprocidade, no respeito à interdependência que rege o cosmos.

O Bhagavad Gita oferece uma formulação espiritual que, por sua força, desmonta de vez a lógica sartriana: "O iogue vê o Eu no outro e o outro no Eu." Quando esse olhar se perde, não resta mais caminho para a libertação — apenas para a alienação.

Hegel, por sua vez, desmascara com precisão rigorosa o equívoco ontológico contido na sentença sartriana “o inferno são os outros”. Fá-lo através de uma das passagens mais decisivas da Fenomenologia do Espírito: a dialética do senhor e do escravo.

É absolutamente essencial compreender — e isso não pode ser negligenciado por quem deseja pensar com rigor — que essa dialética não é uma metáfora sociológica sobre relações de dominação, mas uma descrição fenomenológica e ontológica do próprio processo pelo qual a consciência de si se constitui.

Hegel demonstra que a consciência não nasce pronta, isolada ou autocentrada. Pelo contrário, ela só pode se reconhecer como Eu na medida em que é reconhecida por outro Eu, que também se reconhece e é reconhecido como tal. A consciência de si não é um dado — é uma construção dialética que pressupõe necessariamente o reconhecimento mútuo. Sem isso, não há consciência plena. Não há espírito. Não há liberdade.

Quando duas consciências se encontram, cada uma deseja ser reconhecida como sujeito livre, autônomo e absoluto. Essa tensão gera uma luta — não apenas simbólica, mas ontológica — na qual cada consciência busca afirmar sua própria liberdade pela negação da liberdade do outro.
Surge, então, a relação de senhor e escravo: o senhor imagina afirmar-se como livre mantendo o outro na condição de objeto submisso, enquanto o escravo preserva sua própria vida, mas aparentemente abdica da condição de sujeito.

Mas aqui se revela o extraordinário giro dialético que torna Hegel absolutamente revolucionário: A liberdade do senhor é uma ilusão. O senhor acredita ser livre, mas sua liberdade é dependente do olhar de um outro que foi negado enquanto sujeito. O reconhecimento que recebe é vazio, unilateral, destituído de validade ontológica — porque provém de um outro que já não é um Eu pleno, mas um objeto subjugado.

Já o escravo, paradoxalmente, entra num processo de realização mais profundo: ao se relacionar com o mundo, ao transformar a matéria, ao trabalhar, ele desenvolve uma consciência concreta, robusta, efetiva, que lhe devolve, de forma lenta e progressiva, a percepção de si como sujeito que age, que cria, que modifica a realidade. Enquanto o senhor permanece na passividade do gozo, da dominação e do consumo, o escravo desenvolve sua liberdade pela mediação do trabalho, da disciplina e da transformação do mundo.

A lição que emerge é devastadora para qualquer concepção que pretenda pensar o sujeito como autossuficiente: a liberdade não se realiza na negação do outro, mas no reconhecimento do outro como sujeito igualmente livre. Não existe Eu pleno fora da relação com um Tu que também seja pleno. A consciência isolada, fechada sobre si, que recusa o vínculo, não se emancipa — se aliena. E aqui Hegel revela algo de magnitude civilizacional: o isolamento não gera liberdade — gera alienação. A tentativa de ser senhor absoluto de si, sem mediação, sem reciprocidade, sem encontro, leva inevitavelmente ao empobrecimento ontológico do próprio Eu.

Por isso, a frase de Sartre — “o inferno são os outros” — não é apenas uma imprecisão filosófica. É a própria descrição inconsciente do abismo em que mergulha toda visão do sujeito que recusa o vínculo. Na lógica sartriana, o outro não é visto como espelho da liberdade compartilhada — mas como espelho do julgamento, da opressão, da condenação. O outro é ameaça. O outro é cárcere. O outro é um olhar que me reduz à condição de objeto. A presença do outro não me realiza — me aprisiona. E assim, Sartre, sem perceber, converte o Eu numa ilha ontológica — condenada a buscar uma liberdade que, no próprio isolamento que a funda, se revela impossível.

Hegel, portanto, oferece uma resposta que não é apenas filosófica — é ontológica, ética e espiritual: a liberdade não é um estado anterior à relação — é fruto da relação. É no reconhecimento mútuo, na dialética do Eu com o Tu, que a consciência se eleva da condição de mera subjetividade abstrata para a condição de espírito efetivo. A liberdade não é negada pela presença do outro — ela é possibilitada e constituída pela presença do outro. Onde Sartre vê limite, Hegel vê caminho. Onde Sartre vê condenação, Hegel vê mediação. Onde Sartre vê prisão, Hegel vê construção.

A liberdade sartriana é uma liberdade negativa, defensiva, isolada — que, no limite, implode sobre si mesma. A liberdade hegeliana é uma liberdade positiva, criadora, que se efetiva no reconhecimento do outro como sujeito igualmente livre, igualmente digno, igualmente parte da totalidade do espírito.

E se estendemos essa análise, percebemos que esse princípio não está apenas em Hegel — está em toda a tradição sapiencial da humanidade. Martin Buber, ao afirmar que “no princípio está a relação”, não faz mais do que confirmar, sob outro prisma, aquilo que Hegel revelou na lógica dialética. O Eu só existe porque há um Tu. O Eu que se fecha, que se absolutiza, que se recusa ao encontro, não se emancipa — se dessubstancia.
A verdadeira retidão humana não nasce apenas da obediência a normas externas, mas do alinhamento interior com uma ordem mais ampla — aquela que estrutura o ser, o tempo e o espírito. Quando esse eixo é perdido, a alma se desorganiza. E quando a alma se desorganiza, nenhuma ordem social se sustenta. A rigidez do ego isolado, que se recusa a reconhecer sua interdependência com o outro e com o todo, não é sinal de força — é uma forma de fragilidade disfarçada. A verdadeira força é flexível, porque está enraizada no real. O que se recusa ao fluxo da vida, ao vínculo e à escuta, se quebra antes de amadurecer.

E Viktor Frankl, com a autoridade de quem enfrentou o inferno histórico dos campos de concentração, sentencia: "O homem só se realiza quando se esquece de si, colocando-se a serviço de uma causa ou de outro ser humano." Novamente, o mesmo princípio: a liberdade não está no fechamento do Eu, mas na autotranscendência — no encontro, no serviço, no amor.

Por isso, a lição é definitiva, inegociável, inapelável: o inferno não são os outros. O verdadeiro inferno é o Eu que se fecha ao Tu, que se recusa ao encontro, que tenta existir como absoluto — e fracassa. Porque, na ordem do ser, não há liberdade sem amor. Não há Eu sem Tu. Não há consciência sem reconhecimento. Não há vida sem relação. A liberdade que recusa o vínculo não emancipa — aniquila.






6. A Dialética de Hegel: Liberdade Não é Isolamento, é Reconciliação

Hegel esclarece, com precisão cirúrgica e rigor ontológico absoluto, a raiz do erro estrutural que compromete todo o edifício filosófico do existencialismo sartriano. E o faz com uma sentença de poder devastador:
"A verdadeira liberdade não é a fuga das determinações, mas a reconciliação com elas." (Fenomenologia do Espírito)

Essa afirmação, tantas vezes reduzida a uma fórmula acadêmica, contém uma verdade de alcance civilizacional: a liberdade não consiste na ausência de vínculos, mas na elevação consciente e dialética desses vínculos à condição de mediação espiritual.
Ou, em termos ainda mais claros e radicais: não é livre quem rompe com o mundo, com o outro, com a ordem, com a história ou com a própria natureza. Livre é aquele que, compreendendo as limitações que o constituem — biológicas, sociais, históricas, culturais, espirituais —, eleva-se acima delas não pela negação, mas pela integração, pela mediação e pela reconciliação ativa com a totalidade do ser.

Aqui reside o abismo que separa a liberdade hegeliana da ilusão sartriana. Sartre, ao rejeitar o espírito, o telos e a totalidade, não realiza a liberdade — dissolve-a. Sua concepção de liberdade é uma negação permanente, uma fuga infinita, um esforço estéril de escapar de qualquer determinação que, segundo ele, comprometeria a pureza do eu como fonte absoluta de sentido. Mas essa pureza é um fantasma — uma ilusão metafísica insustentável. Uma liberdade fundada na ausência não é liberdade — é vazio.

Não é potência — é colapso.

Não é presença de sentido — é desconexão.

Não é emancipação — é exílio metafísico.

Na lógica dialética de Hegel, o oposto se verifica: a liberdade não se encontra na negação das condições impostas ao ser humano, mas na sua superação dialética — que não é anulação, mas elevação. O espírito não se liberta fugindo da natureza — liberta-se quando compreende que é, ao mesmo tempo, natureza e algo que a transcende. E que essa tensão não é uma maldição — é uma oportunidade ontológica. O espírito não se emancipa negando o outro — emancipa-se reconhecendo no outro o espelho que confirma sua própria condição de sujeito. O homem não conquista sua liberdade isolando-se da história, da cultura, da linguagem, da tradição, do outro ou da comunidade — ele a conquista quando se apropria conscientemente desse legado, compreendendo-se como parte de uma totalidade viva, dinâmica e espiritual.

O erro de Sartre não é apenas ético ou psicológico — é um erro de escala ontológica.
Ele acredita que a liberdade se encontra no grau zero da determinação — no puro poder de escolha, na invenção de si a partir do nada.
Mas isso não é liberdade — é condenação ao vazio. É aprisionamento no próprio ego. É alienação ontológica travestida de autonomia.
A liberdade que Sartre defende é, na verdade, uma forma refinada de escravidão: a escravidão do eu diante de si mesmo, da própria finitude e da própria impotência para gerar sentido no isolamento de um cosmos sem transcendência.

Por isso, a lição hegeliana não é apenas uma crítica filosófica a Sartre — é uma advertência civilizacional. Sociedades, culturas, civilizações e indivíduos que buscam a liberdade na recusa do espírito, do telos, da totalidade, da tradição, do sagrado e do vínculo com o outro, não se libertam — desmoronam. Porque a liberdade não é a ausência do mundo — é o encontro elevado com o mundo. Não é fuga da história — é reconciliação criadora com a história.
Não é recusa da natureza — é sua transfiguração pela consciência.
Não é negação do outro — é descoberta de que o outro é, ao mesmo tempo, limite e possibilidade, fronteira e ponte, espelho e caminho.

Essa intuição profunda — de que a liberdade não está na negação da ordem, mas na sua integração consciente — não pertence a uma única civilização ou período histórico. Ela é uma verdade universal que atravessa as grandes tradições sapienciais da humanidade. A verdadeira sabedoria não busca romper com o real, mas reconciliar-se com ele. Não se trata de submeter-se passivamente, mas de compreender que a resistência cega, o isolamento voluntarista e o endurecimento do ego são caminhos de dissolução. A alma humana amadurece não quando tenta escapar do mundo, mas quando aprende a habitar o mundo com presença, responsabilidade e transcendência. É nesse espaço de reconciliação que nasce a liberdade autêntica — não como fuga, mas como enraizamento consciente na ordem viva do ser.

Por isso, é necessário dizer, com toda a clareza e rigor que a filosofia exige: a liberdade que se recusa ao espírito, que se desconecta do telos e que rompe com a totalidade, não se realiza — se nega.

Não é libertação — é colapso.

Não é ascensão — é queda.

Não é autonomia — é solidão ontológica travestida de escolha.

A verdadeira liberdade não é ausência de vínculos, não é rejeição da realidade, não é fuga do ser. É reconciliação. É integração. É elevação. É a presença consciente, amorosa e criadora no seio do real. É a arte suprema de dizer sim à vida — não como submissão, mas como transfiguração.

7. Nietzsche: A Advertência Ignorada

Até Nietzsche, frequentemente apontado — não sem razão — como pai do niilismo moderno, oferece, à sua maneira, uma advertência de magnitude ontológica devastadora: "Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha de volta para você." (Além do Bem e do Mal)

Essa sentença, frequentemente citada de forma banalizada, não é mero efeito poético, nem uma provocação estilística. É um diagnóstico de alta precisão filosófica sobre os efeitos destrutivos de se tentar existir à margem do sentido, à revelia do telos, à custa da transcendência.

E é precisamente aqui que se revela, de forma trágica, a distância abismal — e, paradoxalmente, luminosa — entre Nietzsche e Sartre. Nietzsche, embora tenha proclamado a morte de Deus e, com isso, aberto as comportas do niilismo sobre a civilização ocidental, jamais romantizou esse vazio. Nunca iludiu seus leitores com a ideia pueril de que, na ausência do sagrado, restaria ao homem uma liberdade pura, leve e luminosa. Pelo contrário: reconheceu, com honestidade brutal, que a morte de Deus lançaria o homem no mais profundo dos abismos ontológicos, existenciais e espirituais — e que, diante desse abismo, caberia ao homem uma tarefa sobre-humana: criar novos valores, edificar um novo eixo de sentido, forjar-se a si mesmo como Übermensch — o além-do-homem, aquele que, mesmo sem Deus, sustentaria o peso do cosmos sobre seus próprios ombros.

Por mais insuficiente, problemática e, no limite, ilusória que seja essa proposta, ela carrega uma nobreza trágica e uma honestidade filosófica que absolutamente não se encontram em Sartre.
Nietzsche, ao menos, não escondeu o preço do vazio. Não disfarçou o abismo. Não apresentou o colapso como libertação.

Sartre, não. Sartre entrega ao homem moderno apenas a sentença — sem o caminho. Entrega-lhe a liberdade absoluta, mas nenhum chão. Nenhum norte. Nenhum eixo. Nenhuma transcendência. Nenhum telos. Nenhuma escada para sair do poço.
Oferece o peso sem a alavanca. A condenação sem a possibilidade de redenção. O abismo — sem sequer advertir que, quando se olha muito tempo para ele, não é apenas o abismo que nos observa de volta, mas é o próprio nada que nos devora, que nos dissolve, que nos aniquila.

Porque, como Nietzsche bem sabia — e Sartre preferiu ignorar —, uma liberdade sem Deus, sem bem, sem verdade, sem belo, sem ordem e sem transcendência não se sustenta sobre si mesma. Ela implode. Corrói-se. Autodestrói-se. Converte-se em tirania do desejo, em anarquia do sentido e, por fim, em suicídio ontológico — pessoal, psicológico e civilizacional.

Nietzsche, mesmo sem confessar explicitamente, dialoga aqui com toda a tradição sapiencial que tentou — sem sucesso — superar. Porque toda sua obra é, no fundo, um grito de dor diante da ausência do absoluto. A proposta do Übermensch, com toda sua estética heroica, não passa de uma tentativa desesperada — e profundamente humana — de preencher, pela vontade de potência, aquilo que só poderia ser preenchido pela presença do sagrado. E, no fundo, Nietzsche sabe disso. Sua própria vida — e sua própria loucura final — são testemunhos desse colapso existencial.

Sartre, ao contrário, faz algo infinitamente mais grave: naturaliza o colapso. Banaliza o abismo. Convoca o homem a viver como se a ausência de Deus, de essência, de telos e de sentido fosse uma nota de rodapé — uma liberdade divertida, leve, libertadora — quando, na verdade, é uma sentença de morte espiritual.

Por isso, é necessário dizer, com toda a clareza que a filosofia exige e toda a gravidade que a verdade impõe: Sartre não oferece ao homem moderno uma filosofia da liberdade — oferece uma filosofia do desamparo ontológico. Uma metafísica do desespero disfarçada de autonomia. Uma estética da angústia apresentada como projeto de vida.

E aqui, até Nietzsche — com toda sua dor, sua ferocidade, seu niilismo e sua loucura — se revela, paradoxalmente, mais lúcido, mais honesto e mais elevado que Sartre. Porque Nietzsche, ao menos, teve a coragem de olhar para o abismo — e confessar que o abismo também o olhava de volta, permitindo que inferissemos o risco existencial dessa condição.





8. Kant: A Liberdade Vinculada ao Dever e à Dignidade

Kant estabelece, com a força de um edifício moral inabalável, um princípio que não apenas refuta — mas verdadeiramente demole — as bases do existencialismo sartriano. Ele o faz com uma sentença que se tornou um dos ápices da história da filosofia moral: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer que ela se torne lei universal." (Fundamentação da Metafísica dos Costumes)

Este é o imperativo categórico, núcleo da ética kantiana, que não é uma sugestão, nem uma recomendação, nem tampouco um ideal subjetivo. É a formulação racional da própria condição de possibilidade da liberdade moral.

Aqui, Kant não apresenta apenas uma norma prática — descreve uma estrutura ontológica da liberdade. Liberdade não é fazer o que se quer. Liberdade não é arbitrariedade, nem capricho, nem invenção subjetiva de valores ao sabor dos desejos ou das circunstâncias. Liberdade, na concepção kantiana, é a capacidade de submeter-se — livremente — a uma lei que não vem de fora, mas que emerge da própria razão prática, e que exige, como critério absoluto, a universalização do princípio que orienta cada ação.

Negar essa estrutura — como faz Sartre — não é apenas um erro ético. É o colapso da própria ontologia do sujeito moral. Porque, ao recusar a possibilidade de princípios universais, objetivos e válidos para todo ser racional, Sartre não apenas destrói a ética — destrói também a própria dignidade humana.

Dignidade, para Kant, não é um adorno, nem um sentimento, nem uma convenção. Dignidade é a consequência direta de sermos seres capazes de legislar moralmente para nós mesmos — segundo princípios que poderiam, e deveriam, ser leis universais. É isso que nos torna fins em nós mesmos — e jamais meios. É essa capacidade que nos separa da natureza meramente determinada e nos eleva à condição de agentes morais, dotados de liberdade verdadeira — uma liberdade que não é a negação do dever, mas sua mais alta expressão.

O existencialismo sartriano, ao negar essa estrutura, implode não apenas a ética kantiana — implode a própria possibilidade de qualquer ética. Porque, se cada sujeito está condenado a inventar, no vazio do ser, seus próprios valores — sem qualquer referência a uma ordem objetiva, a uma razão comum, a um bem transcendente ou a um telos universal — então não há mais critério possível para distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o correto do incorreto. O mundo se reduz, então, a uma coleção de vontades isoladas — cada uma erigindo seu próprio código, seu próprio tribunal, sua própria metafísica de ocasião. E onde cada um é senhor absoluto de seu próprio valor — ninguém, na prática, é senhor de valor algum.

O preço disso é devastador. Uma liberdade que não se submete à lei moral não é liberdade — é tirania do desejo. Uma vontade que não reconhece limite na razão não é autonomia — é heteronomia disfarçada de escolha. É ser escravo das próprias paixões, dos próprios impulsos, das próprias carências — ou, no limite, do próprio vazio. O Eu sartriano, ao proclamar-se livre da essência, do telos, do bem e da universalidade, não se emancipa — ele se perde.

Por isso, é necessário dizer com toda a clareza e sem concessões: ao destruir a universalidade dos princípios, Sartre destrói não apenas a ética — destrói também a própria dignidade humana. Porque a dignidade não nasce da liberdade arbitrária — nasce da liberdade que se reconhece como parte de uma ordem racional, que se submete, livremente, ao que é verdadeiro, ao que é bom e ao que é justo — não porque alguém o impõe, mas porque a própria razão o exige.

E mais uma vez, compreendemos que essa verdade não é exclusividade de um pensador, de uma escola ou de um continente. É uma intuição que brota onde quer que o ser humano tenha se voltado com seriedade para a pergunta sobre o sentido da existência. O homem verdadeiramente virtuoso não se orienta por seus impulsos — mas por uma ordem que reconhece acima de si. A retidão não nasce da vontade de potência, mas do dever assumido com consciência. A liberdade autêntica não se confunde com a permissão para seguir qualquer desejo, mas com a escolha deliberada de alinhar-se a algo maior que o ego: um princípio de justiça, uma vocação interior, uma finalidade que transcende o instante.

Por isso, sob qualquer perspectiva séria — ontológica, moral ou espiritual — a conclusão é inevitável: a liberdade que não reconhece um princípio superior degenera em caricatura de si mesma. Não é força — é fuga. Não é autonomia — é desintegração. Porque o que nos torna verdadeiramente humanos não é a capacidade de fazer o que queremos, mas de querer o que é verdadeiro, bom e universal. A liberdade só é digna desse nome quando é resposta, e não capricho; quando se curva ao sentido, e não à vaidade.

9. Viktor Frankl: Quando o Sentido Vence o Niilismo

Nos campos de concentração, onde a liberdade humana foi reduzida ao seu grau mais ínfimo — onde toda escolha exterior foi arrancada, onde o homem foi despido de sua dignidade física, de seus direitos, de seus vínculos, de sua história e até do próprio nome —, Viktor Frankl descobriu uma verdade que Sartre ignorou, ou que, mais precisamente, o existencialismo sartriano se recusou a reconhecer: "O homem pode suportar qualquer ‘como’, desde que tenha um ‘porquê’." (Em Busca de Sentido)

Essa sentença, que carrega a força de uma revelação ontológica, não nasce da especulação acadêmica nem da abstração filosófica — é o testemunho vivo da condição humana no limite absoluto da dor, do sofrimento, da humilhação e da desumanização. É a confirmação — no mais extremo dos laboratórios da existência — de que a liberdade não é fazer o que se quer. A liberdade é responder, com dignidade e sentido, àquilo que a vida nos pergunta.

A diferença entre Frankl e Sartre, nesse ponto, não é apenas filosófica — é civilizacional. Enquanto Sartre proclama que “a existência precede a essência” e que o homem está condenado a inventar-se a partir do nada, Frankl descobre — na carne, no espírito e na própria travessia do inferno — que o homem não se inventa: o homem se descobre. Descobre-se como ser em relação, como ser em responsabilidade, como ser em serviço, como ser para além de si. E é precisamente essa abertura radical ao sentido, ao outro, ao transcendente e à vida que sustenta a liberdade — mesmo quando todas as condições exteriores foram brutalmente suprimidas.

Enquanto Sartre, confortavelmente sentado em um café parisiense, elaborava sua teoria da liberdade absoluta — proclamando que o homem está condenado a escolher e a construir seus próprios valores —, Frankl, esmagado pela maquinaria da morte nazista, testemunhava algo infinitamente mais real, mais sério e mais profundo: que o homem, mesmo quando perde tudo — sua liberdade exterior, sua saúde, sua família, sua segurança, sua dignidade visível — ainda é livre para escolher sua atitude diante do sofrimento, sua relação com a dor, sua fidelidade ao sentido e sua abertura à transcendência.

Na lógica sartriana, o homem é uma tabula rasa ontológica, condenado a fabricar-se a partir do vazio — carregando, solitário, o fardo insustentável da autocriação, sem Deus, sem essência, sem telos, sem chão, sem céu e sem centro. Na lógica de Frankl, ao contrário, o homem é um ser interpelado pela vida, chamado a responder — e essa resposta não é invenção arbitrária, mas descoberta de um sentido que já está inscrito no tecido da realidade, no logos do cosmos, no mistério que transcende e sustenta o próprio ser.

Por isso, a liberdade que Frankl testemunha não é a liberdade caprichosa do desejo, nem a liberdade angustiada da invenção constante de si — é a liberdade do assentimento. A liberdade do consentimento àquilo que é maior do que o próprio eu. A liberdade de dizer sim ao sentido, sim à responsabilidade, sim ao amor, sim ao outro, sim à vida — mesmo quando a vida, externamente, se apresenta como dor, como perda, como sofrimento ou como morte.

E aqui se revela, com toda sua potência filosófica e espiritual, a falência irremediável do existencialismo sartriano. Porque uma liberdade sem sentido não é liberdade — é tortura metafísica. Uma liberdade sem telos não é emancipação — é condenação ao vazio.
O homem que se imagina livre para tudo, mas que não reconhece que essa liberdade é, na verdade, um chamado à responsabilidade, não se emancipa — se desintegra.

Frankl prova — com sua vida, com seu testemunho e com sua obra — que a liberdade não é o direito de fazer qualquer coisa. A liberdade é a capacidade de responder à pergunta que a vida nos faz.
E essa pergunta não é subjetiva, não é arbitrária, não é uma construção da vontade — é uma interrogação que emana do próprio ser, do outro, do amor, do sofrimento, da beleza, do tempo, da morte e da transcendência.

Por isso, a afirmação de que o ser humano precisa de um sentido para viver não é apenas uma observação psicológica — é uma verdade metafísica, ontológica, espiritual e civilizacional. O homem é capaz de suportar as maiores dores, os mais profundos abismos e os mais longos desertos — desde que compreenda que há um sentido por trás do que atravessa. E esse sentido não é fabricado por um ato voluntarista do ego. Ele não se impõe como invenção — se revela como descoberta. Surge não da vontade de poder, mas da escuta interior. Não se cria um “porquê” com desejo — encontra-se um “porquê” com alma. A dor que encontra um sentido não destrói — transforma. Sem sentido, até mesmo o prazer pode se tornar vazio. Com sentido, até mesmo o sofrimento pode se tornar caminho.

10. A Liberdade que Aprisiona: A Face Invisível do Existencialismo Sartriano

Não seria exagero — nem sofisma, nem caricatura — afirmar que, salvo as exceções oriundas das imperfeições inevitáveis de qualquer sistema judicial, as prisões modernas estão, em larga medida, povoadas por indivíduos que, consciente ou inconscientemente, optaram por viver, de forma brutal e literal, a lógica da liberdade tal como proposta por Sartre. A liberdade sem telos. A liberdade sem essência. A liberdade sem ordem, sem bem, sem verdade e sem transcendência.

É evidente que não se trata de um argumento de causalidade simplista. Não se afirma aqui que os detentos sejam, por convicção filosófica, existencialistas sartrianos — nem que o crime seja, em todos os casos, fruto direto de adesão racional a tal concepção.
O que se afirma — e com todo o peso que a filosofia permite — é que a cultura contemporânea, profundamente contaminada pela dissolução dos vínculos metafísicos e pela rejeição das estruturas transcendentais que orientam o ser, tornou-se, ela própria, uma encarnação coletiva do paradigma sartriano. E, nesse sentido, o criminoso é, muitas vezes, apenas aquele que levou às últimas consequências práticas a lógica do mundo que o formou.

Quando a liberdade é concebida não como realização de uma essência, não como resposta a um chamado ontológico, não como ordenação da vontade ao bem e à verdade, mas sim como poder de autodeterminação absoluta — como condenação à liberdade, na expressão máxima do niilismo sartriano — então não há mais, no fundo, qualquer critério que impeça que essa liberdade se manifeste como violência, como crime, como transgressão ou como aniquilação do outro. Porque, se cada um é o único autor dos próprios valores — se não há bem, nem mal, nem justo, nem injusto, nem sentido, nem telos — apenas escolhas —, então nada mais resta, no limite, senão a tirania do desejo soberano.

Assim, as prisões são, de certo modo, um espelho social da liberdade sem essência que o existencialismo sartriano defende.
Ali estão aqueles que, privados de toda referência metafísica, decidiram escrever suas próprias leis — leis privadas, subjetivas, construídas na lógica do próprio desejo. Leis que, inevitavelmente, colidem com as leis objetivas do convívio social, da justiça, da civilização e da dignidade humana.

Mas há algo ainda mais grave — e infinitamente mais devastador: o cárcere físico é apenas a expressão visível de um cárcere ontológico muito mais vasto e mais cruel. A liberdade sem telos não aprisiona apenas nas cadeias — aprisiona, sobretudo, nas consciências. Aprisiona no vazio. Na solidão. No niilismo. Na angústia crônica. Na alienação de si, do outro e do mundo.

A sociedade contemporânea está cheia de homens livres — livres para serem escravos de si mesmos. Livres para consumir, para desejar, para se dissolver. Livres para serem colonizados pela própria impotência, pela própria angústia, pelo próprio desespero e pelo próprio vazio.

Portanto, não. Não é falacioso, nem despropositado, nem sofismático afirmar que as prisões estão, em larga medida, povoadas por aqueles que viveram, com brutal coerência prática, a lógica da liberdade desvinculada de toda essência — a liberdade sartriana. Porque uma liberdade que não reconhece limite, que não se curva ao bem, que não se orienta ao outro, que não se submete ao justo, não se emancipa — se autodestrói. E quando essa autodestruição se volta contra a ordem pública, ela gera crime, violência, cárcere e sofrimento. Mas, quando se volta para dentro — em silêncio, nas almas dos que aparentam estar livres — ela gera depressão, suicídio, desordem afetiva, vazio existencial e morte espiritual.

Por isso, entende-se — com dolorosa clareza — que a verdadeira prisão do homem moderno não é feita de muros, grades ou sentenças. É feita de vazio. De ausência de sentido. De recusa da transcendência. De autossuficiência ontológica. Porque o preço de uma liberdade sem essência, sem telos, sem transcendência e sem amor é, inevitavelmente, a construção de uma sociedade livre para se autodestruir — livre para fabricar sua própria servidão.

11. Conclusão: A Liberdade Sem Norte é Prisão Disfarçada

O existencialismo de Sartre, ao negar essência, transcendência e telos, faz uma promessa que, à primeira vista, parece libertadora — mas que, na verdade, carrega em seu bojo a semente do desespero. Porque, ao oferecer uma liberdade sem raiz, sem eixo, sem centro, sem ordem e sem direção, não entrega emancipação — entrega desintegração. A promessa é de autonomia, mas o resultado é angústia. A promessa é de autocriação, mas o resultado é vazio.
A promessa é de libertação, mas o que se oferece, no fim, é apenas um abismo sem fundo — disfarçado de escolha.

Toda a tradição filosófica séria, que não se rendeu às modas intelectuais nem às fantasias metafísicas da modernidade, ensina exatamente o oposto. De Platão a Aristóteles, de Tomás de Aquino a Kant, de Hegel a Buber, de Viktor Frankl às tradições sapienciais do Oriente, a lição é clara, perene e inegociável: a liberdade não é o ponto de partida — é o ponto de chegada. Não é um dado bruto, anterior à ética, anterior ao sentido, anterior ao bem — é o fruto maduro de uma vida ordenada, de uma consciência alinhada ao que é verdadeiro, ao que é justo, ao que é belo e ao que é amor.

Sem isso — sem a referência objetiva ao bem, sem a ordenação da vontade ao verdadeiro, sem a abertura da alma à beleza, sem a entrega consciente ao amor — o que sobra não é liberdade. É abismo. O abismo da arbitrariedade. O abismo do desejo convertido em tirania. O abismo da autonomia que se torna solidão ontológica. O abismo do Eu que, ao tentar ser absoluto, descobre, tarde demais, que se tornou prisioneiro de si mesmo.

E aqui ecoa — com uma clareza quase profética — a advertência nietzschiana que Sartre ignorou, mas que descreve, com precisão cirúrgica, o destino inevitável de sua própria filosofia: "Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha de volta para você." (Além do Bem e do Mal)

Essa não é uma metáfora poética. É uma lei espiritual. Uma sentença ontológica. Uma advertência civilizacional. Porque o homem que recusa a essência, que rejeita a transcendência, que abdica do telos, não se torna livre — torna-se vulnerável à gravidade do vazio. E quem flerta com o vazio, quem contempla por tempo demais o abismo da autossuficiência, da arbitrariedade e da recusa do sentido, acaba, inevitavelmente, sendo tragado por ele.

Por isso, a conclusão não é apenas filosófica — é ontológica, ética, espiritual e civilizacional: sem essência, sem telos, sem transcendência, sem bem, sem verdade, sem beleza e sem amor — sobra o abismo.
E quem olha demais para o abismo, cedo ou tarde, cai nele.

12. Epílogo: O Espelho, o Abismo e a Ilusão da Autossuficiência

Ao longo deste ensaio, percorremos as trilhas mais profundas da filosofia, da psicologia, da metafísica e da experiência humana, desvelando as falácias, os sofismas e os colapsos ontológicos que sustentam a proposta existencialista de Sartre. Mas há, talvez, uma camada ainda mais subterrânea, mais silenciosa e, por isso mesmo, mais poderosa, que não pode ser ignorada — sob pena de fecharmos os olhos para uma verdade incômoda, porém inescapável.

A filosofia, desde Nietzsche, sabe — e a psicanálise confirmou — que nenhuma ideia nasce no vácuo. Toda filosofia carrega, por trás de sua arquitetura conceitual, um tecido biográfico, um mapa de feridas, desejos, frustrações, ressentimentos e lutas internas.
Nietzsche já alertava que todo sistema filosófico é, antes de tudo, uma confissão disfarçada — e, muitas vezes, uma tentativa de vingar-se da vida, do outro e de si.

Quando olhamos para Sartre, não apenas como pensador, mas como ser encarnado — como corpo, como olhar, como presença no mundo —, não é possível ignorar o impacto que sua própria condição física, estética e existencial teve na formulação de sua ontologia. Sartre era, objetivamente, um homem marcado por uma feiura fora do comum — severamente estrábico, desarmônico, com uma aparência que fugia radicalmente dos padrões de simetria e beleza com que a natureza, misteriosa e inexorável, presenteia ou nega aos seus filhos.

Esse fato, que poderia ser irrelevante do ponto de vista de uma análise puramente formal, torna-se absolutamente central quando cruzado com o núcleo de sua filosofia: a recusa da alteridade, a percepção do outro como inferno, a construção de um eu condenado à liberdade solitária, desamparada, sem essência, sem telos e sem amor.

A pergunta, então, se impõe com a força de uma lâmina afiada: e se a filosofia de Sartre for, no fundo, uma vingança metafísica contra o espelho?

O outro, para Sartre, é o olhar que julga, que aprisiona, que condena. Mas seria o outro realmente o inferno? Ou seria o inferno, na verdade, aquilo que emerge quando o eu não suporta ser refletido — nem no espelho, nem no olhar do mundo, nem na própria carne?
O desconforto com a própria imagem — não apenas estética, mas existencial, ontológica e espiritual — pode ter sido a matriz invisível de onde germinou sua metafísica do vazio, sua ontologia da angústia e sua ética da desesperança. Onde Martin Buber vê o Tu como caminho, como ponte, como salvação, Sartre vê o outro como limite, como cárcere, como sentença. Onde Hegel vê na alteridade o berço da liberdade e na dialética do reconhecimento o motor do espírito, Sartre vê condenação. Onde Frankl descobre que a liberdade é resposta ao sentido, mesmo nos horrores de Auschwitz, Sartre ergue um altar ao desamparo, convertendo o vazio em projeto e a ausência de Deus em método.

Mas eis o paradoxo que a história sempre revela, cedo ou tarde: a tentativa de negar o ser, de abolir a essência, de recusar o telos e de destruir o espelho — não apaga o reflexo. Apenas o deforma.E aquele que não suporta o espelho, não destrói apenas o outro — destrói a si. Porque o ser não aceita ser amputado. O cosmos não tolera o vazio como fundamento. E toda liberdade que se recusa ao vínculo, ao amor, à transcendência e à alteridade — não se emancipa. Implode.

Mas existe um ponto a mais a ser colocado e que constitui uma chave ontológica de interpretação da própria filosofia de Sartre: sua feiura, enquanto dado físico, não seria apenas uma contingência biológica qualquer. Ela se torna uma ferida ontológica mais profunda justamente porque se inscreve no contexto histórico, cultural e simbólico mais cruel para um homem intelectualmente ambicioso e emocionalmente carente como ele: Paris.

Paris — a cidade que, mais do que qualquer outra na modernidade, se ergueu como ícone da beleza, da estética, da elegância, do refinamento, do gosto, da arte, do amor, da sedução e da celebração da forma, da harmonia e da proporção. Existir em Paris e ser feio não é simplesmente “ser feio”. É ser permanentemente lembrado — pelo olhar dos outros, pelos reflexos das vitrines, pelas ruas cheias de beleza viva, pelos corpos esculpidos da estética parisiense, pelas artes, pela arquitetura, pela moda — de que se habita, no próprio corpo, uma espécie de exílio estético.

E mais: não se trata apenas da feiura física — mas do tipo de feiura que, ao contrário do que às vezes ocorre, não carrega nenhum charme, nenhum exotismo, nenhum atrativo singular. Sartre não era aquele feio interessante. Era um feio desconfortável — para si e para os outros. Estrábico de forma acentuada, rosto assimétrico, mandíbula desalinhada, corpo pequeno, desproporcional, postura encurvada — tudo nele gritava desconforto.

E agora, olhe a ironia trágica: esse mesmo homem vive na capital mundial da beleza, rodeado de artistas, de intelectuais, de mulheres belíssimas e homens refinados, respirando, diariamente, o culto estético que Paris encarna desde o Iluminismo. O que poderia, para outro, ser apenas uma limitação física, para Sartre se converte em uma dor metafísica. A impossibilidade de ser belo no mundo que exalta a beleza não é uma dor superficial — é uma condenação ontológica.

Aqui, impõe-se uma revelação: o existencialismo de Sartre não nasce apenas de uma reflexão teórica sobre a liberdade — ele nasce, sobretudo, da experiência radical de ser ele prisioneiro de um corpo que o condena à recusa permanente do olhar alheio, num mundo onde o olhar alheio é a própria confirmação do ser.

Não é por acaso que, na sua filosofia, o olhar do outro não é ponte — é prisão. Não é caminho — é condenação. O outro, para Sartre, não é aquele que me reconhece, me confirma, me enaltece, me acolhe. O outro é o carrasco que, ao olhar-me, me transforma em objeto, me reduz, me aprisiona no escândalo de minha própria existência visível e deformada. A famosa frase — “O inferno são os outros” — não é uma tese filosófica. É um grito psíquico, um lamento existencial, um espelho estilhaçado.

E quando olhamos sob esse prisma, percebemos que sua metafísica da liberdade absoluta não é um projeto de emancipação — é um projeto de vingança. Vingança contra o mundo, contra a beleza, contra a ordem, contra o telos, contra Deus, contra o próprio ser. Se não posso ser belo, então negarei toda a ordem que sustenta a beleza. Se não posso ser desejado, então destruirei o próprio conceito de desejo como caminho para a transcendência do Eu. Se não posso ser espelho da harmonia, então proclamarei que não há harmonia, não há essência, não há sentido, não há verdade — só liberdade vazia, condenada e sem chão.

Aqui, então, se completa o diagnóstico filosófico: o existencialismo de Sartre não é uma filosofia da liberdade. É uma ontologia do ressentimento, uma metafísica da recusa, uma estética da feiura convertida em doutrina civilizacional.

Por isso, sua intuição é não apenas correta — ela é brilhante, necessária e absolutamente filosófica. A condição de ser francês, vivendo em Paris — capital do culto à beleza, à harmonia, à estética e à elegância —, não foi apenas cenário biográfico. Foi a lente de aumento existencial que exacerbou a sua dor e a transmutou em sistema.

Ao final, a filosofia sartriana não é apenas uma metafísica da liberdade. É, no fundo, uma estética do feio transfigurada em ontologia — uma tentativa desesperada de converter em sistema aquilo que talvez tenha começado como um desconforto radical consigo, com o próprio corpo, com o próprio rosto, com o próprio ser. E como todo ressentimento que não se cura — nem pelo amor, nem pela transcendência —, essa filosofia não gera flores. Gera abismos.

Por isso, se há um epílogo possível — e necessário — a este ensaio, ele se inscreve na mais simples, porém mais devastadora das verdades: o inferno não são os outros. O inferno é o eu que se fecha ao Tu. O inferno é o abismo que se abre quando o homem tenta ser absoluto — e, ao fazê-lo, perde não apenas o outro, mas também a si, o mundo, o amor, o sentido e, no fim, a própria possibilidade de existir.

E se há uma saída — e há —, ela continua sendo, hoje como sempre, aquela que as grandes tradições, do Oriente e do Ocidente, da filosofia, da espiritualidade e da própria vida, sempre ensinaram: não há Eu sem Tu. Não há liberdade sem encontro. Não há vida sem amor. Não há sentido sem transcendência. Porque quem olha demais para o abismo — cedo ou tarde — cai nele.

Portanto, prefiro olhar para Deus, que me olha com amor mesmo quando sou feio, fraco e pecador, e me sustenta mesmo quando eu não me sustento.

E é por isso que, mais do que nunca, não basta denunciar o abismo — é preciso resgatar o Logos. Porque a liberdade verdadeira não se constrói no vazio, mas no vínculo. E só há vínculo onde há Amor.

*Jorge Henrique de Freitas Pinho é advogado, procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas, membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas, ensaísta e estudioso de filosofia, lógica e espiritualidade.
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