
Entrevista - O STF já foi Lugar de pessoas sábias e virtuosas, acredite
05/07/2025 -
As 'Vidas Paralelas', obra de Plutarco, é uma coleção de biografias de homens gregos e romanos famosos da Antiguidade. Comparando suas vidas e virtudes. Hoje, Plutarco teria dificuldade de encontrar homens e mulheres públicos virtuosos. Na política e na alta justiça. Nesse terreno, o Brasil regrediu muito nas últimas décadas. Nos tribunais superiores, o conceito de notório saber jurídico e conduta ilibada, na prática, virou um mero agraciamento por serviços prestados. Na política, os cargos mais emblemáticos viraram moeda de troca. O jurista e acadêmico pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho tem, corajosamente, abordado o tema na imprensa. O Poder foi conversar com ele.
O Poder - O Senhor poderia começar citando um exemplo de renúncia que engrandece a Justiça?
José Paulo Cavalcanti Filho - Sobral Pinto, mais que grande advogado, foi sempre símbolo de correção. E, para seus colegas de profissão, um exemplo. Participou, ativamente, na campanha de JK à presidência da República, em 1955. E, já no governo, Juscelino o indicou para vaga deixada, no Supremo, pela aposentadoria do ministro Frederico de Barros Barreto. Algo não apenas esperado por todos, sobretudo justo. Ele simplesmente merecia. Reação de Sobral foi dizer: "Não posso, Presidente, que participei de sua campanha. E não seria digno, de minha parte. O que diriam de mim?, de nós dois?, se aceitasse".
O Poder - Que lição a história deveria ter tirado do episódio?
JCPF - A força do exemplo de Sobral deveria estar no coração de todos aqueles que estivessem, depois, em situações semelhantes. Só que assim não se deu, infelizmente. A força do exemplo não serviu de lição aos pósteros.
O Poder - O Senhor poderia explicitar algum caso no executivo?
JCPF - Até mais. Um caso gritante foi Sérgio Moro, que jamais poderia ser ministro da Justiça de Bolsonaro. A quem ajudou indiretamente, na eleição, ao condenar Lula. Impedindo que fosse candidato. Mas acabou aceitando esse cargo e deu no que deu. Nem Bolsonaro podia convidar, nem ele aceitar. O destino é cruel. Se recusasse, teria sido bem melhor para ele, que hoje estaria no Supremo. E para o Brasil; com a história da Lava-Jato, quem sabe, sendo outra.
O Poder - O STF já foi usado para vantagens pessoais?
JPCF - muitas vezes. Foi o caso, por exemplo, de Ricardo Lewandowski. Para compreender o que fez, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 08/03/2021 o ministro Fachin decidiu, monocraticamente, que a condenação de Lula não valia. Por uma questão menor, de foro. Algo difícil, quase impossível, de acreditar. Sem se incomodar com o fato de ter o ex-presidente sido condenado por um juiz, três desembargadores-federais do TRF4 e cinco ministros do STJ, que detidamente examinaram a situação em seus múltiplos aspectos. Inclusive o tal foro. No total nove decisões, antes, por unanimidade sempre coletivas. E o ministro sozinho, sem ouvir nenhum colega, teve a coragem, digamos assim, de anular os quatro processos então em curso contra o ex-presidente: aquele em que havia já sido condenado, Triplex de Guarujá; e os três restantes, ainda em curso – Sítio de Atibaia, Sede do Instituto Lula, Doações ao Instituto Lula.
O Poder - Mas onde entra o atual ministro Lewandowski nisso?
JPCF - O serviço não estava completo, faltava o mais complicado. Que exigia coragem, digamos assim, novamente, ainda maior. Difícil de explicar à opinião pública. É que as provas, todas, inclusive numerosos depoimentos, permaneciam nos autos. Sem ser afetadas pela questão do foro. E qualquer juiz poderia quando quisesse, com base nelas, voltar a condenar aquele que, na época, era então já candidato a ser, novamente, presidente da República. Coube a Lewandowski o papel de dar fim a esse risco, um trabalho do qual não tem razões para se orgulhar. Ao contrário. E o fez, em 29/06/2021, anulando todas as tais provas produzidas contra o então ex?presidente Lula. Sem fundamentos jurídicos. Sem maiores explicações. Nem maiores constrangimentos. Como se seu poder não tivesse nenhum limite. Novamente em decisão monocrática e, mais uma vez, sem ouvir ninguém.
Impedindo pudesse, o antes condenado, vir a ser punido no futuro. Mesmo que venham a ser feitas novas provas, os processos correspondentes, dada a idade do acusado, estariam então prescritos. Uma espécie de anistia prévia. E pouco depois, quando se aposentou, acabou ganhando um presente régio, que foi o cargo de ministro da Justiça. O mesmo de Moro. Com o exemplo de Sobral Pinto, nesses dois casos, jogado no lixo.
O Poder - Mas, pelo que se sabe, a, digamos assim, remuneração (risos) foi mais alta...
JPCF - A família toda agradece. Inclusive seu filho advogado, Enrique Lewandowski, contratado, em 02/12/2024, pelo Centro de Estudos dos Aposentados e Pensionistas ? CEBAP; e também, a seguir, pela Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos ? AMBEC. Duas das associações comprometidas nesse escândalo da Previdência Social. E que deveriam estar sendo, ou no futuro deveriam vir a ser, teriam que ser, fiscalizadas pelo pai do advogado – o mesmo Lewandowski que, ministro, dirige a Polícia Federal.
O Poder - E como anda a ética no dia-a-dia dos ministros do STF?
JCPF - Membros do Ministério Público, pela Lei 11.425/2006, artigo 21, não podem advogar, um impedimento funcional e ético. Mas isso foi no passado que passou. E não vale mais, hoje, para situações similares. Como quando Ministros do Supremo, sem dramas íntimos de consciência, julgam casos defendidos pelos caros escritórios de suas mulheres. E o filho de Ministro advoga causas que estão, ou deveriam estar, sendo investigadas por seu pai ministro. Não é razoável. “O tempore, o mores” diria, o romano Cícero, caso ainda estivesse entre nós.
O Poder - Que outras lições da história foram parar na lixeira?
JCPF - Mais um dos tais casos exemplares veio com a Ditadura Militar que teve início em 1964. É que o Supremo, na sua função básica de guardião da Constituição, na época mais que nunca teria que atuar na defesa dos Direitos Humanos e da Democracia.
Começam os mais sombrios anos da 'Redentora', em 1969, e três ministros se rebelaram. O Supremo, por mãos deles, não estaria a serviço de governos autoritários. Em razão disso a Junta Militar, que acabara de assumir o governo, aposentou compulsoriamente Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. Em protesto renunciaram, a seus cargos, o presidente da Casa, Gonçalves de Oliveira; e seu substituto, Antônio Carlos Lafayette de Andrade. Menos cinco ministros, portanto, com quem a Ditadura se preocupar.
O Poder - A ditadura domou o Supremo na marra...
JCPF - Em breve síntese havia, na ditadura, dois Supremos. Um que defendia os direitos previstos, e em tese garantidos, na Constituição. E, outro, que ali estava na função subalterna de servir ao Governo Militar e cumprir suas ordens. Cego, surdo e mudo ante censura, torturas, mortes e desaparecimentos forçados. E sem aparentes “escrúpulos de consciência”, uso de propósito uma frase do passado. Esse último mau exemplo frutifica em plena democracia.
O Poder - Qual o maior desafio do STF hoje?
JCPF - O Supremo de hoje teria que decidir algo parecido. Em síntese, se estaria mesmo disposto a defender a Constituição e a Democracia. Em um cenário diverso, mas igualmente grave, quando é grande a tentação de. em algumas situações, substituir outros poderes, como o Executivo ou o Legislativo. Achando pouco, agora, passa a exercer o papel de censor nacional. Dizendo quais informações deveremos ter, ou não, disponíveis. Com novo lema, na Côrte. Agora é censura nunca, mas... (Risos).
O Poder - Há esperança?
JCPF - Trata-se de uma escolha já feita, sabemos todos qual foi. Apenas cabe lamentar que não se tenha, no Brasil de hoje, o Supremo altivo de Evandro, Hermes e Victor. A força de seus exemplos, como antes o de Sobral, não valeram. É pena. E segue a vida. A esperança ainda não está de volta, mas voltará. Resta saber como todos esses personagens serão tratados mais tarde, algum dia, quando a história deste tempo for escrita nos livros.