
Um transe poético profundo, alucinadamente real, O Brasil Que Viaja em Si
08/07/2025 -
Por Zé da Flauta*
O Brasil tomou um gole do próprio sangue,
dançou pelado num mangue de petróleo e lama,
acendeu um cigarro de vento,
e viu estrelas nascendo da palma da mão.
Montado num tatu-bola, atravessou o cerrado,
onde os buritis sussurravam segredos em tupi,
e os políticos, nus e com olhos de vidro,
rezavam mantras ao deus do PIB.
O país
O país caiu numa rede de algodão lunar,
e sonhou com um tempo em que não fosse colônia,
nem rastro de império, nem brinquedo de banqueiro,
mas sim um bicho-luz, selvagem e verdadeiro.
Na testa do Brasil pulsa uma floresta de símbolos,
árvores de cobre, raízes de sol,
mas alguém pintou o céu de concreto,
e trancou o futuro num cofre em Washington.
Os rios
Os rios deliraram, falaram em voz de trovão,
“o que fizeram de mim?”, perguntou o São Francisco,
“por que me retalham em gráficos?”, gritou o Amazonas,
“quem diz o que posso ser?”, sussurrou o Capibaribe.
As favelas acenderam velas de neon,
e os meninos que sonham com pão
viram dragões feitos de dados
devorando suas chances com algoritmos.
E o povo?
O povo dançava, sem saber se era frevo ou febre,
bebia cachaça batizada com lágrimas,
rezava para santos que já tinham fugido,
e cantava o hino com a boca cheia de silêncio.
Brasil, teu espelho é um caleidoscópio quebrado,
mas tua alma é um tambor que nunca se cala.
Só não vê quem se vende, só não sente quem se tranca,
há fogo nas veias da tua esperança.
Delírio
No delírio mais lúcido, o Brasil se levanta,
com a cara suja de barro e o olho cheio de cosmos,
sabe que está à beira de um golpe ou de um grito,
e que ser livre, agora, é mais que um direito,
é um rito.
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
