
Conhece Bujumbura? - Crônica Satírica e Reflexiva, por Emanuel Silva*
01/08/2025 -
Isto não é meme, tampouco zoação. Bujumbura existe. Foi capital do Burundi até 2019, quando perdeu o título para Gitegag, mas continua sendo o coração simbólico do país. Mais que uma cidade, é um signo e um significado: palco de esperanças, fraudes, massacres e promessas quebradas.
Das promessas da independência ao fardo da realidade
O Burundi foi colônia da Alemanha e depois da Bélgica, conquistando sua independência em 1962, embalado por discursos de autodeterminação e prosperidade. Mas o que se viu foi um presente envenenado: divisões históricas étnicas entre hutus e tutsis, claro incentivadas e exploradas pelos colonizadores (algo conhecido não ?). A jovem nação logo mergulhou em conflitos sangrentos.
Em 1972, um massacre dizimou dezenas de milhares de hutus, num dos capítulos mais sombrios da África pós-colonial.
Em 1993, o assassinato do presidente eleito Melchior Ndadaye, primeiro hutu a chegar ao poder, mergulhou o país em outra guerra civil, com centenas de milhares de mortos e milhões de deslocados.
A assinatura dos Acordos de Arusha em 2000 trouxe uma trégua relativa, mas não a paz plena.
Ditadores, facões e a política do medo.
O poder em Bujumbura sempre se equilibrou entre a retórica da reconciliação e a prática da repressão. O ex-presidente Pierre Nkurunziza, eleito em 2005, decidiu em 2015 buscar um terceiro mandato, considerado inconstitucional. O resultado: protestos massivos, tentativa de golpe liderada pelo general Godefroid Niyombare, assassinato do líder opositor Zedi Feruzi, repressão violenta e milhares de exilados.
Seu sucessor, Évariste Ndayishimiye, prometeu virar a página, mas as milícias ligadas ao partido dominante CNDD-FDD continuam sendo a sombra permanente da democracia burundesa.
Uma democracia de fachada, uma imprensa amordaçada e excelências amigas
A vida política em Bujumbura tem sido marcada por eleições questionadas, judiciário parcial e parlamento dominados pelo partido governista, tudo isso com uma imprensa dividida entre a bajulação e o silêncio forçado. Rádios independentes foram fechadas, jornalistas como Jean-Claude Kavumbagu encarcerados por “traição”, e opositores empurrados para o exílio. O cidadão comum, perdido entre narrativas oficiais e boatos plantados, já não sabe em quem acreditar.
O signo e o significado
Bujumbura deixou de ser apenas um lugar: tornou-se símbolo dos fantasmas de brigas entre etnias e da política das facções. Um signo de esperança frustrada, uma metáfora viva da luta por dignidade que nunca chega.
E conhece o... BeBUm?
Em 1974 foi criada uma nova república tropical, a Belíndia - expressão cunhada por um determinado economista com sobrenome Bacha - para descrever um país com “ilhas de riqueza belga cercadas por oceanos de miséria indiana”. Mas, a Índia cresceu, virou o país mais populoso do mundo e cresceu. Então, olhando para a punjança aliada a bagunça e crises recentes que assolam a República fictícia Belindia, talvez seja o momento de mudar o nome. Unir o melhor da Bélgica com a realidade de Bujumbara. Uma fusão surreal entre a antiga metrópole sonhada e uma colônia com seus próprios delírios de grandeza, suas facções disfarçadas e escondidas, atores circenses travestidos a rigor, com verdades fabricadas pela turma da chapa branca. Assim temos o BeBUM.
E, ironia das ironias, enquanto o Burundi nunca ousou desafiar as grandes superpotências — consciente do seu tamanho — o BeBUm com vocação para ser gigante, cutuca as potências com vara curta, como se a retórica fosse mais forte que a realidade. Cilada grande.
A realidade é que Bujumbura nos ensina que republiquetas não se destroem apenas pela pobreza ou pelo facão, mas também pelo excesso de vaidade, corrupção, pela cegueira política e pelo culto ao poder.
Ainda bem que o BeBUM não existe. Ou existe ?
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
**Os artigos assinados expressam a opinia?o dos seus autores e na?o refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.
