
Cultura, Sobre a Diversidade de um conceito – 27 - A Cultura dos Juízes Por Fábio André de Farias
01/08/2025 -
Introdução
Falar de cultura e direito é, por certo, referirmo-nos a duas manifestações que, para uma enormidade de autores e de diversos campos de estudo, apartam o ser humano da natureza embora, por óbvio, não o exclua desta. São criações humanas que não encontram, pelo menos em suas formas de expressar e em seus conteúdos, paralelo em outros agrupamentos de seres vivos.
É imperioso constatar que quando falamos de regras jurídicas ou morais produzidas pelas comunidades humanas não estamos nos referindo a comportamentos repetidos por uma determinação biológica ou necessidade de sobrevivência individual ou coletiva.
Um formigueiro, quando atacado, encerra a entrada deixando aos “inimigos” os que ficaram para trás sem sequer “questionar-se” sobre a sorte deles ou daqueles que fecharam o acesso. Um capitão de um submarino, quando este é invadido pela água, determina o isolamento de comportas e condena à morte muitos de seus companheiros de viagem, no entanto, necessariamente será objeto de sua reflexão a necessidade de tal ato, que bem maior pretende preservar, ou, no mínimo, se a sua decisão não lhe acarretará a perda do cargo ou, quem sabe, a sua própria vida.
Não nos aventuraremos a conceituar o que vem a ser cultura e nos contentamos em apresentar um pequeno esboço que, para o objetivo aqui pretendido, é suficiente: “Diante da multiplicidade de interpretações e usos do termo cultura, adotamos como referência neste trabalho três concepções fundamentais de entendimento da cultura, como: 1) modos de vida que caracterizam uma coletividade; obras e práticas da arte, da atividade intelectual e do entretenimento; e 3) fator de desenvolvimento humano.” (CANEDO. “Cultura é o quê?”. Acesso em 2021/01/08)
Os modos de vida dos juízes, quem são eles e como eles alcançaram tal posto da burocracia brasileira, interessam por diversos aspectos: em primeiro lugar porque conformam uma coletividade que pode ser distinguível de outras, mesmo aquelas que têm em comum a formação jurídica tais como advogados, promotores e procuradores justiça, delegados, servidores públicos ou empregados privados cujo pressuposto para o exercício de suas atividades seja o bacharelado em direito.
Igualmente porque, no momento mais recente da sociedade brasileira, algumas instâncias de julgamento, especialmente os Tribunais Superiores, ramos do Poder Judiciário, a Justiça Federal, e indivíduos, não citaremos nenhum por temor de esquecer uma imensidão de outros, adquiriram importância tal no cenário político que é impossível diferençar a atuação jurisdicional, o ato de julgar, das ações políticas em sentido estrito que, em outros tempos, estariam circunscritos às casas legislativas e instâncias do executivo, especialmente as vinculadas à União Federal.
Valores da coletividade
Em outros termos, tentar entender em que creem, quais costumes e valores da coletividade dos juízes e como se formaram esses é, a nosso sentir, importante para tentarmos entender como o exercício de um poder, tido por anômalo é denominado de “judicialização da política”, adquire respaldo nas instituições nas quais estão insertos.Importante salientar que dentro do modelo de aplicação do direito os juízes se encontram em posição privilegiada na medida em que cabe ao Judiciário, em última instância e a nenhum outro órgão público ou privado, dizer qual a interpretação das normas positivadas ou não.
E apenas para que não esqueçamos a importância que o Poder Judiciário adquiriu na implantação de determinadas diretrizes públicas e privadas, muitas vezes estabelecidas além das fronteiras nacionais, citamos o documento técnico 319 do Banco Mundial que estabeleceu ser importante adotar órgão destinado a realizar o controle externo do Judiciário com atribuições administrativas e disciplinares, a jurisprudência compulsória por meio de súmulas e decisões vinculantes proferidas pelas Cúpulas do Poder Judiciário, e mecanismos alternativos de resolução de conflitos, receituário plenamente adotado pelo nosso país.
Assim, entender a cultura concreta desta coletividade quando pensam aplicar ou efetivamente aplicam o direito talvez nos ajude a pensar a relação entre cultura e direito além de nos ajudar a imaginar o que pretendem para nosso país.
A presente exposição e análise tem como base o documento QUEM SOMOS. A MAGISTRATURA QUE QUEREMOS, catálogo concluído em novembro de 2018 cuja pesquisa e publicação foi patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros –AMB, tendo a pesquisa sido dirigida por Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho e Marcelo Baumann Burgos. Valendo a pena lembrar que esse novo trabalho é uma ampliação de pesquisa realizada em 1996 que teve por intuito identificar.
O Perfil do Magistrado Brasileiro
Alguns elementos da “cultura dos juízes”
A “judicialização da política”
Um tema já referido na introdução e que perpassa a forma como os juízes percebem as suas atuações como membros do Poder Judiciário, como expressão desta parcela do poder de Estado, encerra-se numa expressão muito utilizada que é a “judicialização da política”.
Por meio desta, pode-se dizer que cada vez mais os juízes e, por consequência, o Judiciário ampliam suas atuações perante os demais poderes estatais na medida em que “reflete o crescente envolvimento do Judiciário nos processos decisórios – especialmente no âmbito de conformação das políticas públicas – em democracias contemporâneas” (AVRITZER; MARONA. Judicialização da política no Brasil: ver além do constitucionalismo liberal para ver melhor.
Ocorre que os processos decisórios em questão são aqueles que, em outros tempos e nas disciplinas universitárias, eram definidos como constitutivos e caracterizadores dos demais poderes conforme a clássica percepção da tripartição.
Ou seja, conforme o que se aprende na dogmática jurídica acadêmica, caberia ao executivo,
primordialmente, pôr em prática as políticas públicas legisladas pelas casas de confecção de leis e ao judiciário velar para que o processo legislativo e a execução obedecessem às regras aprovadas, aquelas que lhes são correlatas e, em última instância, as normas e princípios constitucionalizados no país.
Sendo a judicialização da política um fenômeno o Judiciário é “mobilizado como ator político estão associadas não apenas a fatores relacionados ao desenho institucional da democracia brasileira e do Poder Judiciário, mas também à dinâmica política da conjuntura” (RIBEIRO; ARGUELHES.
Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico. Ou seja, o Poder Judiciário é chamado a desempenhar papéis que outrora eram percebidos como eminentemente políticos sem que seus membros tenham participado do processo político em sentido estrito, tendo, inclusive, ojeriza a este, e sem que sofra os controles próprios a esta atividade como, por exemplo, a submissão ao sufrágio popular.
É interessante observar que os juízes são recrutados por meio de concursos públicos com índices de aprovação em torno de 2,5% a 4% do universo de inscritos. A formação exigida dos mesmos é de bacharel em Direito, um curso realizado em 5 anos, sendo que 73% cursaram mais 2 anos de especialização e 21%2 anos diplomaram-se como Mestre, ou seja, temos uma imensa maioria de membros do Poder Judiciário com, no mínimo, sete anos de ensino formal em cursos jurídicos.
Observando-se ainda, 76% deles tiveram como ocupações anteriores a advocacia, ministério público, defensoria pública,procuradorias, servidores do Poder Judiciário e polícia, sendo os demais recrutados no Magistério Superior, provavelmente de Direito, e sob a denominação genérica de outros.
Tais números nos levam a concluir que a percepção que os membros do primeiro graude jurisdição têm como a priori na sua compreensão de mundo é quase que exclusivamente a aplicação técnica da lei, tendo pouca ou nenhuma ideia do funcionamento das instituições políticas da sociedade. Mesmo assim justificam como possível e necessária a intervenção do Poder Judiciário nas atividades do Legislativo e do Executivo.
O quesito 64 foi feito nos seguintes termos: “Desde a Constituição de 1988, o Poder Judiciário vem expandindo sua presença na sociedade brasileira. Indique a alternativa com a qual mais se identifica” (p. 136). Sendo as respostas possíveis ao item:
“A presença do Poder Judiciário em diferentes dimensões da vida brasileira é um fenômeno positivo
para a consolidação da democracia no país, na medida em que favorece a ampliação de direitos que não encontram passagem no Poder Legislativo.
A presença do Poder Judiciário em diferentes dimensões da vida brasileira é um fenômeno positivo
para a consolidação da democracia no país, na medida em que propicia um maior controle do
funcionamento dos poderes Executivo e Legislativo.
A presença do Poder Judiciário em diferentes dimensões da vida brasileira é um fenômeno rejudicial à democracia, pois pode levar a que o Judiciário exerça papéis substitutivos ao dos poderes políticos.”
Compreenda-se inicialmente que as respostas passaram pelo crivo de magistrados de instâncias do Poder, portanto, não se pode imputar nenhum deslize ao que está aqui escrito e isso é importante porque a primeira indica a possibilidade de substituição de um dos poderes constitucionalizados, “a ampliação de direitos que não encontram passagem no Poder Legislativo”, e o segundo a hipertrofia do Poder Judiciário sobre os demais poderes, “propicia um maior controle do funcionamento dos poderes Executivo e Legislativo”, neste segundo aspecto veja-se que não se afirma um controle das atividades e sim do funcionamento dos demais poderes.
Essas duas respostas obtiveram 35,4% e 46,8% dos resultados, ou seja, 82% dos juízes concordam que, em tese, o poder político, aqui entendido como aquele que se submete às regras do escrutínio periódico, necessita de uma tutela que apenas aqueles que obtiveram uma formação adequada nas
regras jurídicas podem conferir.
Registre-se ainda que quase 50% dos juízes de primeira instância concordam com a possibilidade de o judiciário substituir a função do legislador quando “No caso limite de temas sensíveis para a sociedade, sobre os quais não se constitui uma maioria parlamentar, o Poder Judiciário pode exercer um papel criativo na produção de normas, a fim de atender aos anseios da coletividade” (questão 60), obtendo-se o mesmo resultado dentre juízes de segunda instância e uma maioria de 60% dos membros dos tribunais superiores.
Cite-se que imensa maioria dos juízes, ampliando-se o percentual na medida em que se sobem os degraus da magistratura, é favorável a uma “interpretação criativa da lei, desde que levem em conta as consequências de suas decisões, de acordo com o ideal de bem comum” sem que se possa entender qual o limite da criatividade e quais o mecanismos de controle do que é o bem comum.
A construção da jurisprudência predominante
O processo de racionalização do mundo é uma das teses caras à sociologia weberiana e esta se expressa no mundo jurídico a partir de sua compreensão da construção da jurisprudência. Observada de longe a atividade dos juízes parece caótica, desobediente a qualquer parâmetro de constância. É comum aos destinatários das decisões judiciais a sensação de “a cada juiz corresponde uma sentença” como se fosse dado ao julgador uma liberdade tal que é impossível identificar uma previsibilidade no ato de julgar.
Explicar e prever são ansiedades básicas do ser humano e dos que fazem da ciência seu
ofício.
Para uma melhor compreensão do papel da jurisprudência vamos dividir as demandas em dois grandes campos, por óbvio não são os únicos ou excludentes, que nos permitam pensar o que é a jurisprudência e sua importância para o ato de julgar e, cada vez com maior explicitude, exercer poder. Exemplifiquemos com uma ação de alimentos promovida por filhos/filhas contra o pai, devendo ser lembrado que o filho pode ser de uma mãe rica e pai pobre ou vice-versa, fatos que alteram substancialmente o resultado do julgado.
Muitos processo
Por certo que muitos processos como esses diferem uns dos outros, em regra, por serem autores e réus distintos e com diferentes histórias. Ocorre que em comum existem fatos inelutáveis e dois são evidentes, os de que estamos diante de filhos/filhas de um lado e o pai do outro.
Aqui entra o papel da jurisprudência neste processo de racionalização da aplicação do direito, se estamos diante de histórias distintas como devem decidir os juízes perante o fato comum de que são filhos/filhas litigando contra o pai.
O papel da jurisprudência predominante é exatamente indicar como será decidido em cada processo individualizadamente considerado tendo em vista que lei apenas define uma obrigação genérica de que o pai deve auxiliar na manutenção dos filhos/filhas.
Para quem imagina que essa é uma atividade simples ou estática lembramos que ser filho ou filha, hodiernamente, não se confunde com o sexo biológico de nascença e o que em outros tempos poderia ser definido pela existência de uma pênis ou uma vagina no momento do nascimento enfrenta fortes e justificados questionamentos.
Em tempos pretéritos, a construção dos parâmetros jurisprudenciais que demarcavam balizas ao ato do juiz de decidir era, para usarmos uma imagem didática, “de baixo para cima”. Os casos eram presentados aos milhares de juízes de primeira instância que eram interpretados, à luz da legislação vigente, de formas diferentes a depender das mais diversas circunstâncias sociais, econômicas, culturais, etc., e de formação dos juízes.
Ultrapassado este primeiro estágio e havendo interesse por parte dos litigantes e da matéria discutida, o processo era encaminhado a algum dos tribunais de segunda instância, salientando-se que no país existe menos de uma centena.
Após esse segundo estágio e num caminho muito mais estreito ser enviado a um os quatro tribunais superiores com encargo de julgamento de temas infraconstitucionais, até que em última instância fosse decidido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em circunstâncias que, em princípio, fossem especialíssimas tendo em vista que este órgão deve apreciar só e exclusivamente temas inscritos na Constituição Federal.
Em 1996, o Banco Mundial divulgou o Documento Técnico número 319, intitulado de O SETOR JUDICIÁRIO NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE ELEMENTOS PARA REFORMA de autoria de Maria Dakolias.
Na introdução adverte-se a total isenção da instituição divulgadora em relação ao documento e não é intenção do presente texto abordar a existência ou não de ingerência desta instituição financeira
internacional nas políticas domésticas dos países analisados, portanto, tomaremos como
certo que a única responsável é a pessoa que o assina. Dentre as dificuldades do
judiciário na região o documento aponta:
O Poder Judiciário na América Latina e Caribe
“O Poder Judiciário, em várias partes da América Latina e Caribe, tem experimentado em demasia longos processos judiciais, excessivo acúmulo de processos, acesso limitado à população, falta de transparência e previsibilidade de decisões e frágil confiabilidade pública no sistema.
Essa ineficiência na administração da justiça é um produto de muitos obstáculos, incluindo a falta de independência do judiciário, inadequada capacidade administrativa das Cortes de Justiça, deficiência no gerenciamento de processos, reduzido número de juízes, carência de treinamentos,
prestação de serviços de forma não competitiva por parte dos funcionários, falta de transparência no controle de gastos de verbas públicas, ensino jurídico e estágios inadequados, ineficaz sistema de sanções para condutas anti-éticas, necessidade de mecanismos alternativos de resolução de conflitos e leis e procedimentos enfadonhos.”
Dentre as proposições tendentes a evitar os “procedimentos enfadonhos” que possibilitassem “a) previsibilidade nos resultados dos processos; b) acessibilidade as Cortes pela população em geral, independente de nível salarial; c) tempo razoável de julgamento; d) recursos processuais adequados” (p. 17 e 19) estava proposição da reforma processual, tendo como aspecto importante a inversão da construção da jurisprudência predominante por parte dos Tribunais Superiores por meio de mecanismos onde esses definiriam determinados temas de relevância social e/ou econômica e passariam a decidir, dispensando-se, em tese,entendimentos dos escalões inferiores do judiciário, ou seja, uma jurisprudência construída “de cima para baixo”.
Sem que adentremos nos detalhes a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 estabeleceu o efeito vinculante das decisões do STF e muitos outros mecanismos de “ultrapassagem” as decisões de juízes e tribunais estaduais e/ou regionais foram introduzidos nas legislações processuais posteriores. E apenas para registro quase que integralmente, as recomendações do documento “não proposto” pelo Banco Mundial foram adotadas pela legislação e tribunais brasileiros.
No que diz respeito às decisões vinculantes dos tribunais superiores, 87% dos juízes de primeiro grau, 90% dos componentes do segundo grau e 70% dos integrantes dos tribunais superiores concordam que “garante maior velocidade e segurança jurídica à atividade jurisdicional e, portanto, maior racionalização do Judiciário” (questão 56).
No entanto, quase a metade dos juízes das três instâncias entendem “O(a) magistrado(a) deveria poder decidir sem se pautar necessariamente pelo sistema de súmulas e precedentes vinculantes “ (questão 54), sendo resultados assemelhados para a formulação “O sistema de súmulas e precedentes vinculantes afeta a independência do(a) magistrado(a) em sua interpretação das leis e em sua aplicação” (questão 55), neste segundo caso excetuam-se os juízes dos tribunais superiores na medida em que 60% deles pensam que a independência funcional não se encontra comprometida.
Os resultados acima indicam que a imensa maioria dos juízes concorda com a necessidade da adoção de medidas que impliquem na aceleração do processo decisório, no entanto, percebe-se que o sistema de súmulas vinculantes não goza de um consenso entre os juízes.
A nosso sentir expressa-se aqui um temor em relação à supressão de poder dos juízes de primeira e segunda instâncias que este mecanismo acarreta. Explica-se. Pelo sistema jurídico da assunção de competência ou julgamento de recursos repetitivos, os tribunais podem, sem que existam recursos individualizados em cada um dos processos, avocar processos em circunstâncias definidas em lei e julgar teses prevalecentes.
Em outros termos, nas questões de relevância social onde a expressão do poder julgar se torna
elevante,os juízes das denominadas instâncias ordinárias tornam-se irrelevantes na construção da
jurisprudência constituindo-se em meros aplicadores do decidido nas cortes extraordinárias.
Essa irrelevância vem sendo cada vez mais sentida pelas constantes determinações de suspensão de julgamentos e é temerário dizer quando, mas, existem fortes possibilidades de que a atividade de parcela do judiciário possa ser desprestigiada. Em outros termos, teremos uma parcela expressiva do Poder Judiciário cada vez com menos poder ou com expressão apenas periférica ou em questões de baixo impacto social e econômico.
Conclusão
O trabalho que utilizamos como referência para a coleta de dados poderia trazer-nos mais elementos do que os acima mencionados. A amostragem é rica quantitativa e qualitativamente e pode supedanear um conjunto de outras pesquisas.
Por exemplo, a divisão sexual, racial e religiosa da categoria ou mesmo as origens sociais da ancestralidade dos respondentes. Neste último aspecto existe uma tendência a que os membros do judiciário tenham pais, no sentido masculino da expressão, ocupantes de altos escalões do serviço público e privado e o que isso significa na constituição da mentalidade dos julgadores constitui-se num objeto distinto a ser investigado.
Optamos por uma avaliação, ainda que superficial dada a natureza da proposta do artigo, de articular a cultura e o direito a partir de dois temas que nos parecem importantes e que expressam como a forma de pensar coletiva dos juízes conformam uma determinada aplicação do direito. Por um lado a relação do judiciário com os demais poderes, legislativo e executivo, e a conclusão de que cabe àquele uma determinada superioridade, moral e intelectual, sobre os demais.
Trabalhamos com a hipótese de que o processo de recrutamento desta parcela dos agentes políticos estatais embute nos selecionados uma percepção de que a técnica jurídica, ou melhor, a racionalidade subjacente a este é superior àquela aprendida pelos caminhos da política.
Algo como uma supremacia do conhecimento acadêmico sobre os originários de outras fontes. Tal conclusão, embora muito devesse ser escrita para fundá-la, é possível pela quase inexistência da participação popular nos processos decisórios judiciais que, de nossa lembrança, limita-se ao tribunal do júri onde o corpo de sentença é formado por leigos.
A outra questão que pensamos importante é a crescente perda de poder, na prática sentida por qualquer operador do direito atento, dos componentes da primeira e segunda instâncias do judiciário. Influenciado ou não pelos estudos do Banco Mundial, o que transparece é que após as Emenda Constitucional 45 que trouxe, dentre outras novidades, a súmula vinculante, a construção da jurisprudência sofreu, por um lado, uma aceleração e, por outro, uma inversão de direção nos temas que os tribunais superiores venham a entender por relevante.
Quais são os temas relevantes? Via de regra os que têm impactos econômicos, sociais, culturais, etc., e cuja legislação não parece clara ou é, simplesmente, omissa. Situações como definição de equiparação da homofobia ao racismo, do casamento homoafetivo, terceirização nas relações de trabalho ou aplicação de índices de correção monetária às dívidas trabalhistas.
Alguns dos temas gozando da simpatia dos setores ditos progressistas da sociedade, outros nem tanto, mas, em comum, o fato de construírem-se legislações inteiras sem a participação do legislativo e do executivo e com o alijamento da base do judiciário. Talvez a radicalização de tal processo nos conduza aos velhos conselhos de anciãos narrados nos livros sobre a República Ateniense.
Fábio André de Farias é Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco
