
Frei Caneca - 197 anos da morte de um herói esquecido
13/01/2022 - Equipe O Poder
Em 13 de janeiro de 1825, nas imediações do Forte das Cinco Pontas, no Recife, foi executado pelo governo absolutista de D. Pedro I, o Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.
A vida desse herói e mártir pernambucano emerge para historiografia brasileira no período de 6 de março de 1817 e 13 de janeiro de 1825. Entre a Revolução Pernambucana e a Confederação do Equador, Frei Caneca garantiu seu lugar na História. Herói e mártir extraordinário, ser humano como outro qualquer. O PODER entrevistou o historiador Carlos Cavalcanti, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e estudioso das revoluções pernambucanas. Carlos está concluindo um livro sobre a Confederação do Equador, cujo bicentenário ocorrerá em 2024.
O PODER - Como foram as últimas horas de vida de Frei Caneca?
Carlos Cavalcanti -
No dia 10 de janeiro de 1825 leram-lhe a sentença "de morte natural para sempre, na forca." Imperturbável como a ouvira ler, voltou para a prisão que deveria servir-lhe de oratório durante os três dias da lei.
Estes três dias os ocupa em animar os amigos que o visitaram e lamentavam em exortá-los e velar pela liberdade da Pátria, em dirigir cartas de salutares conselhos às filhas do seu amor terreno.
São desse curto período de sua vida os versos conhecidos por Hymna de Frei Caneca, dos quais citarei as três estrofes seguintes:
"Entre Marília e a Pátria
Coloquei meu coração
A pátria roubou-m’o todo;
Marília que chore em vão.
A medonha cala...
Da morte fera e cruel
Do rosto só muda a cor
Da pátria o filho infiel.
Tem fim a vida daquele
Que a pátria não soube amar;
A vida do patriota
Não pode o tempo acabar."
O PODER - A historiografia faz justiça a Caneca?
Carlos Cavalcanti -
De modo algum.
Nem de longe Frei Caneca tem o reconhecimento da historiografia brasileira, onde outros heróis de menor grandeza, mas de centros econômicos de regiões julgadas mais importantes se destacam.
O PODER - Como Caneca deve ser visto pela História?
Carlos Cavalcanti -
Frei Caneca não deveria ficar na história exclusivamente como um mártir democrata. Ele foi também um grande orador, maçom, jornalista, professor de matemática e retórica e notável intelectual. Jornalista, fundou o Typhis Pernambucano, que teve grande influência política. É autor de grandes trabalhos bibliográficos, tanto que suas obras foram publicadas em 1876, precedidas de preciosa biografia.
O PODER - O que moveu os heróis de 1817 e1824?
Carlos Cavalcanti -
Numa palavra: o idealismo. O patriotismo da maioria daqueles idealistas era isento de interesses pessoais e do separatismo que alguns autores lhe atribuem. O réu, dizia o advogado de frei Caneca, nunca procurou cisão da integridade do Império, nem mudança de governo. Nenhum outro fim teve em vista, senão sustentar a independência do Brasil, a integridade do Império e a justa liberdade da Pátria.
O PODER - Como resumir sua visão política?
Carlos Cavalcanti -
Para Frei Caneca, seguindo as teorias dos Enciclopedistas, o homem nasceu para a sociedade e sempre teve deveres para seus semelhantes, aos quais se deve dedicar, com preferência, sem quaisquer outras obrigações. Para ele, a constituição, elaborada pelos representantes do povo, evita os males da falsa democracia e as arbitrariedades e despotismo da monarquia.”
Em suma, Frei Caneca parecia acreditar na bondade inata do povo e na maldade intrínseca do poder absoluto. Para ele, só havia um partido, que era o da Liberdade Civil e da Felicidade da Pátria.
O PODER - Como resumir o ser humano Caneca?
Carlos Cavalcanti -
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca repousa, sem favor nenhum, no lugar de astro de primeiríssima grandeza na galeria dos verdadeiros heróis de nossa Pátria. Soube reagir, com coragem e destemor, nas situações mais difíceis que seu amor pela liberdade, vez por outra, lhe reservava. Pagou um preço alto inclusive perante ele mesmo. O melhor resumo da pessoa que foi estão nesses versos que escreveu em uma das celas da prisão na Bahia:
"Não posso contar meus males
Nem a mim mesmo em segredo;
É tão cruel o meu fado,
Que até de mim tenho medo."